Artigo

Consumo, porte de droga. Legaliza? (Parte I)

Se não a maior, esta é uma das grandes discussões no Direito Penal da atualidade, atiçada, principalmente, pela promulgação da Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006, onde as condutas descritas em seu art. 28, não mais se sujeitam à pena de prisão. Daí, essa celeuma da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. De pronto, não há punição para o consumo. O que se tem por punível é a conduta de portar para consumo pessoal.

Em que pese a extinção das penas privativas de liberdade para essa conduta, o citado art. 28 traz outras penalidades, o que fez os doutrinadores enxergaram uma espécie de “descriminalização imprópria” (V. incs. I, II e III do citado art.).

A verdade foi que a Lei Antidrogas teve um norte: agravar a situação do traficante (arts. 33, 34, 35 e principalmente o 36) e suavizar a do usuário, em consonância com o espírito da própria lei, como dito em art. 1°: “esta lei (…) prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas”. E mesmo antes da citada lei, ainda sob os auspícios da Lei 6.368/76 (a primeira a tratar de drogas) evocava-se o princípio da lesividade ou ofensividade, para o qual, a conduta só é relevante para o Direito Penal se ela atingir bem jurídico alheio.

Assim, não despertam interesse ao Direito Penal condutas que não ofendam, seriamente, bem jurídico determinado ou que representem apenas má disposição de interesse próprio, como automutilação, suicídio tentado ou dano a coisa própria (QUEIROZ Paulo, Direito Penal, parte geral, 2ª ed., 2005, São Paulo, Saraiva). Aí que entraria o art. 28 da dita lei. Inclusive meu amigo e Doutor (PUCSP) Paulo Queiroz cita textualmente o art. 16 da revogada lei 6.368/76, como inconstitucional por violar a ‘liberdade’, a ‘intimidade’ (art. 5°, Const. Federal) e a ‘ vida privada’.

Foi nessa linha uma decisão tomada pelo TJ-SP em maio de 2008 dizendo que “a norma que define o porte de droga é inconstitucional, pois infringe os princípios da ofensividade (o fato não atinge terceiras pessoas); intimidade (escolha subjetiva; livre arbítrio) e da igualdade (portar drogas lícitas não é infração penal)” Segundo ainda o relator do acórdão, não há lesão a terceiros, mas autolesão impunível. Essa decisão do TJ-SP caminhou pelo esteio do Estado Democrático de Direito que não aceita a punição de ninguém por perigo abstrato e tampouco por fato que não afeta terceiras pessoas.

Olha só. Esse papo é muito bonito, muita teoria de vanguarda, vários doutrinadores de ponta, mas nada disso vem resolver os problemas que se tem atualmente com o crescente ‘mundo das drogas’. Segundo dados da UNODC- United Nations Office for Drugs and Crime, cerca de 5% da população mundial consomem drogas (200 milhões de pessoas). E para abastecer essa turma, estima-se a produção anual de mais de 10 mil toneladas de maconha, pedra e pó, dentre outras. Número considerado baixo para o penalista Damásio de Jesus.

Apesar de ser um grande admirador do Prof. Dr. Paulo Queiroz, diante desse quadro, ainda mais agravado pelo domínio crescente que o ‘crack’ vem promovendo, penso que a descriminalização está funcionando como uma espécie ‘ingresso vip’ para o estímulo em massa de drogas mais pesadas ainda, como o ácido (lsd), ‘coca’ e o próprio crack. Fala-se até em ‘legalizar o uso da maconha’. Loucura sem precedentes. Legalizar significa torná-la disponível a campanhas publicitárias que estimulariam ainda mais seu consumo.

Voltando ao espírito da lei 11. 343/06, nunca diminuiremos o tráfico se o uso está cada vez mais abrandado por nossa legislação. O traficante vive porque sabe que o cidadão, quando no vício, vende a alma ao diabo para poder adquirir a droga. E se houver a tão discutida ‘legalização da maconha’, isto funcionaria como uma espécie de financiamento ao tráfico de drogas, pois o sujeito não teria mais qualquer reprimenda policial para fumar seu ‘beck’. Imagine o indivíduo sendo abordado e a polícia tendo que devolver a droga porque o Estado não mais considera essa conduta legal. Isso é surreal. Como também é surreal o que a lei diz e o que as políticas públicas de saúde materializam nessa área. Veja só o art. 19, VII da lei 11.343/06: Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem observar os seguintes princípios e diretrizes: VII – o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da população, levando em consideração as suas necessidades específicas; É ou não é surreal? Nos morros, favela e nos bairros mais periféricos, longe da atuação policial é que a atividade do tráfico/uso ocorre com mais força. Não que não ocorre também em áreas mais nobres, mas tratamento especial à essa parcela da população? Aonde é isso? Na França?? (CONTINUA NO PRÓXIMO NÚMERO).