Artigo

O jovem e o mendigo

Há muito tempo fiquei sabendo de uma bela lenda, não sei a fonte, porque a estória foi conhecida de orelhada, em uma palestra. Mas a sua beleza continua única, sem igual.

Conta-se que havia um mosteiro, nas proximidades do Himalaia, onde se abrigavam vários seguidores, de todas as idades. Os mais velhos eram considerados mais sábios e, com isso, iniciavam os mais jovens na arte da meditação e do exotismo em que eles se dedicavam.

Dentre os monges, havia um que tinha sido deixado lá ainda criança, pois seus pais não dispunham de condições para criá-lo, trabalhavam arduamente em plantações, nas colheitas, e, às vezes, como pastores de cabras e ovelhas, portanto, pobres, sem renda fixa e emprego certo.

Ele fora criado pelos residentes ali e iniciado nos mistérios desde cedo, mas nunca havia se conformado com o abandono entre estranhos – apesar da sua aparente devoção entre estes – era raro não vê-lo ensimesmado, introspectivo, sempre ríspido, infeliz e maldizendo a vida por ter sido tão dura com um jovem inocente, que não tinha culpa. Na verdade, jamais tinha compreendido os ensinos, a dedicação que recebia, toda a ajuda material e espiritual dada.

Todas as tardes, entretanto, caminhava à beira de um rio, muito menos caudaloso que o Ganges, na vizinhança do mosteiro, arrodeado de belas árvores, muitos pássaros coloridos e uma relva onde gostava de sentar, meditar ou fazer a sesta. Levava sempre consigo frutas, pêssegos e ameixas, que ia descascando com um pequeno canivete, comendo e jogando as cascas na correnteza desse riacho, que as levava água abaixo…

Certo dia, esse jovem acordou entediado daquilo tudo. Descobriu que já não pertencia àquele lugar. Arrumou um farnel com algumas das suas poucas roupas, um resto de comida e foi-se embora.

Perambulou durante dias pelas cercanias, até que resolveu seguir aquele riacho que ele tão bem conhecia, apenas por curiosidade, para saber aonde iria chegar. Talvez encontrasse uma moradia abandonada e pudesse passar uma boa temporada sem ser incomodado; talvez até pudesse fazer uma pequena plantação para sua sobrevivência, coisa que o empolgava mais.

Foi seguindo as margens do seu conhecido companheiro. Depois de uma boa caminhada, deparou-se com uma enorme clareira, com pequenos arbustos ao longe e um mendigo, com roupas rotas, olhos vítreos, devido às longas noites sem dormir. Barbas e cabelos desgrenhados, compridos, denunciando-o como antigo asceta, da doutrina rígida hinduísta.

Aproximou-se do senhor, que estava agachado à beira do riacho, e perguntou:

– Olá! O que faz ai? Está pescando?

Ao que o homem, serenamente, respondeu:
– Infelizmente, neste rio não há muitos peixes. Mas, muitas vezes, quando não tinha o que comer, eu ficava aqui na margem, rezando, pedindo ao deus Vishnu algo para saciar a minha fome, já que não tenho condições de trabalhar por causa da minha idade avançada, além das minhas pernas doentes e cansadas, e, todas as vezes, Ele enviava cascas de frutas, que eu comia com muito gosto e me sentia a criatura mais feliz do mundo!
Só a partir daí o jovem discípulo iniciante pode perceber a missão de cada um de nós, a sorte que pode aparentar não estar do nosso lado e o destino que nos abraça desde o nascimento até a morte.