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O Supremo Tribunal Federal e a Lei da Ficha Limpa

O desfecho da controvérsia envolvendo a chamada lei da ficha limpa não foi dos mais felizes. De fato, após acalorados debates, o STF concluiu pela sua não aplicação imediata.
É patente a inadequação do fato eleito para se deliberar a propósito da irretroatividade, tema dominante no julgamento em tela, embora, a questão já tivesse sido resolvida pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A argumentação desenvolvida no bojo do voto de desempate tão esperado pautouse, segundo seu relator, em refinada técnica de hermenêutica sob pretexto de não ter encontrado suporte cientifico para sustentar a tese da não retroatividade do referido diploma legal. Esse ponto de vista, todavia, desafia a lógica da razoável por não encontrar ressonância no método cartesiano, nem de longe presente no raciocínio externado.

A visão pela perspectiva de formalidades puras não convém a uma Corte Suprema de Justiça de quem se espera a resolução de questões estritamente constitucionais, portanto, não devendo se submeter à empreitada dessa natureza. Assim, não se exporia ao desgaste por ter que delimitar o sentido da expressão processo eleitoral, assunto que, absolutamente, não estava em cogitação.

A frustração tamanha da sociedade civil se fez sentir em razão do acompanhamento pelos veículos de comunicação de enfadonhos discursos de retórica sobre o nada, esvaziados de forma e conteúdo. Não há como remediar as conseqüências do processo decisório retardado que contribuiu para a indefinição da regra do jogo deixando confuso o eleitor no momento do voto.

A negativa de vigência imediata da LC 135/10, com menoscabo inclusive, do direito constitucional da iniciativa popular causou certa perplexidade como se o povo devesse ser colocado à margem de problema dessa magnitude. Abriu, assim, uma brecha para que fossem reabilitados os denominados políticos fichas-sujas para tomar assento no generoso trono do mandato popular.

O esforço interpretativo deslocando o foco de atenção do núcleo essencial da temática, de forma especial para a exegese do texto do art. 16 da Constituição Federal afastou-se do critério lógico-sistemático. Energia foi despendida em vão a fim de justificar a negativa de vigência imediata da lei. Colocar a irretroatividade no centro da análise em nada avançou em termos de praticidade do procedimento adotado. Nesse aspecto, os tribunais, eqüidistantes ao fato de que a Sociedade está conectada com o mundo, informada e atenta a realidade cambiante, assim, insensível aos apelos do discurso lingüístico recheado de divagações, não, não mais aceita decisões paliativas. Estava-se diante de um quadro pragmático e, como tal, a exigir uma postura objetiva em face da emergência requerida pela gravidade do momento histórico.

A expectativa de uma solução equânime foi descartada, optando a Corte por colocar o julgamento em compasso de espera, gerando, assim, um vácuo de incertezas no processo eleitoral, embora deste não se tratasse. Enquanto isso, para os fichas sujas escancaram-se as portas de acesso as formas de enriquecimento à custa do Erário cuja ilicitude tem sido mitigada pela imunidade parlamentar fórmula, alias, encontrada a fim de legitimar a prática costumeira da politicagem como instrumento de atuação.

Centrando o raciocínio em um ponto especifico, dentre tantos que poderiam ser eleitos, a Corte desconsiderou a regra do art. 14, § 9º da Constituição. Deveras, esta é a que visa proteger o direito de cidadania e não interesses de políticas profissionais, nocivos ao convívio social. Tal, entretanto, passou despercebido aos olhos de autorizados intérpretes perdidos no labirinto inconseqüente da irretroatividade.