Artigo

Congestão I

O telefone não toca. Há algum tempo ele não toca e eu me sinto solitário, distante de tudo, habitante duma ilha sem ninguém. O telefone não toca mais, vive em silêncio que me angustia.

Acendo um cigarro. As horas teimam em passar. Ouço uma música assoprada ao longe, suave e dúctil, como minhas lembranças.

A boca amarga. A boca intrépida quer o beijo, quer as boas palavras. Mas só lhe resta o amargor. Penso na mocidade. Quero-a de volta. Desejo o destemor, a voracidade, a intemperança. Estou farto das atitudes medidas. Estou cheio dos melindres. Chega de desilusões e pé-no-chão! Quero o sonho, o devaneio!

Quero um mundo ilusório. Inimaginável. Que só existe platonicamente em minha memória. Anseio pelo mundo das idéias e não o da razão e do pragmatismo. Estou entupido de consumismos. Que venha a utopia da troca semrecompensas, semlucros, seminteresses. Quero o mundo sempoder, desvinculado da vaidade e prepotência.

Um tiro ecoa na noite sem fim. É a pergunta de Pilatos ao Rei dos judeus: “Que é a verdade?”. O estrondo é o silêncio.

Fico espantado com a transcendência do pensamento. Quem será capaz de dominá-lo? É feito essa fumaça de cigarro bailando fortuito no ar incólume, torpe.

O alvo sem respostas. A mira sem direção. Rasga o etéreo, porém espero que sobreviva ao doidivano. Espero que ressuscite a poesia. Que ela flua e me conduza aonde jamais estive e imaginei.

Raiz firme. Pomo em ligação com o macrocosmo. Frutos exemplares e bem suculentos. Sou a futura árvore de mim mesmo.

Esse silêncio madrigal. O silêncio não se resume apenas à ausência de sons, não! No silêncio moram dragões. No silêncio dos subterrâneos noturnos há precipícios abstratamente vertiginosos: vodus, magos, espíritos satânicos. Habitam as sombras todas as espécies sobrenaturais.

Ah, silêncio-solidão. Até quando permanecerá em mim? Até quando necessitarei me achar?