Artigo

Poesia, nuvens & lembranças

Quanta mentira cafajeste dizer que os relacionamentos terminam. Pelo menos para mim continuam firmes como se ainda existissem, feito tentáculos vivos nos impulsionando em abstrações. Amo a todas que passaram por minha vida, mesmo sabendo-as longe, em outros braços, em outras rodas de diversão.

É incrível como me perco muitas vezes com o pensamento longe, ruminando em sutilezas vividas, detalhes compartilhados a dois. Algumas até indignas de nota por serem tão bobas, quotidianas. Um sorriso ao longe. Uma palavra certa no momento oportuno. Um silêncio criteriosamente escolhido para a ocasião adequada.

Cada pessoa é um poema escrito com as tintas misteriosa da alma. Com sua singularidade marcante e que jamais será esquecida. Não. Não serão jamais esquecidas! Um poema cujo fluxo tem o seu ritmo, as suas rimas, as suas tônicas e, principalmente, seu querer poético.

As lembranças permanecem em mim como pequenos pacotes frágeis de souvenires que abrimos curiosos e relembramos animados. Todos os pacotes juntos são o meu próprio ser. Cada qual com seu embrulho específico e cheiro caracterizante. Cada qual tem seu som e gosto fluido.

Somos a construção que fizemos de nós mesmos e a que fizeram de nós. Não me é permitido pensar diferente.

O coração na verdade é um poltro selvagem. Foco de inúmeras quedas. Quando pensamos que está domado somos jogados sorrateiramente ao chão.

É aí que vêm as imagens galopantes feito fantasmas e que povoam todas as existências. Vêm a poesia cintilante querendo forma e a saudade- solidão me arrancando da alcova da serenidade.

Que mentira estúpida e pueril achar que tudo está perdido ou transformado em sombra esquecida. De uma hora para outra o vulcão adormecido que tenta se controlar, explode em chamas. Ninguém segura, nem mesmo o bom senso. Feito Oxóssi na selva em busca do seu monstro-dragão. Não tem corda certa…

Então corremos atrás, desesperamo- nos. Bate um instante de ilusão com frustração por não ter dado certo. Impotência. A maturidade que faltou em certos momentos que deveriam ser irrelevantes e não foram. A paciência e a tolerância que desabaram quando deveriam ficar eretas.

Enfim, agora, um relacionamento propício, especial, único: o contato consigo mesmo. Além de toda a constelação do passado esculpida em nossa memória e em nosso espírito. Bandida consciência… Santa consciência!

Se tivéssemos sabido que cada digital iria ficar marcada para sempre talvez não tivesse sido tão especial. Teriam sido melindres e coisas que o valham, já que o bom disso é a entrega, o improvável, o depositar no outro nossas próprias expectativas e felicidade. Que importa se ele vir a ser o meu inferno? Que seja também o meu limbo e o meu paraíso…

Apesar de tudo… irá amanhecer. Os pássaros irão cantar em algum lugar de África. Os rios farão sua rota em direção ao grande oceano e se fundirão em um só. Amanhecerá novas sortes, novos pesares, novos temores e novas tentativas também.

Misterioso mundo íntimo que nos faz contentes e descontentes da nossa jornada. Misteriosos sentimentos e emoções que nos guiam ao mesmo tempo que nos cegam. Misteriosa maneira de se viver: sempre em contradição consigo mesmo e com o mundo, sempre insatisfeito com o que se tem e o que não se tem, com o que é e o que não é. A clássica dúvida-questão-indecisão shakespeareana…