Artigo

Linguagem e Ideologia

A formação e a manutenção de uma variedade padrão, segundo a visão política de Gnerre (1998), podem ser relacionadas à noção de ideologia. Para o autor, “os cidadãos apesar de declarados iguais perante a lei, são, na realidade, discriminados na base do mesmo código em que a lei é redigida”.

Nesse sentido, Chaui (2001), explica o processo de formação da ideologia, distinguindo a praxis (ação sociopolítica) da alienação (desconhecimento de sua origem e de suas causas). Para a autora, a alienação social forma o senso comum da sociedade, que assimila explicações e justificativas para a realidade, tal como é diretamente percebida e vivida. Por meio da ideologia, as ideias da classe social dominante e dirigente tornam- se opinião de todas as classes e de todas as sociedades. A ideologia funciona, então, como um mecanismo para ocultar e dissimular as divisões sociais e políticas, dando-lhes a aparência de indivisão e diferenças naturais entre os seres humanos.

Chaui explica essa indivisão como sendo a crença em que, apesar da divisão das classes sociais, somos todos iguais porque participamos da ideia de “humanidade”, “nação”, “pátria”, “raça”, etc. e diferenças naturais como o mito de que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não são produzidas pela divisão social, mas por diferenças individuais e naturais.

Deste modo, do ponto de vista histórico e linguistico, Gnerre acredita que a língua dos gramáticos foi um produto elaborado com a função de ser uma norma imposta sobre as demais variedades, utilizada como a língua do poder politico e cultural, que deveria ser poupada de influência negativa da plebe. Já para Bagno (2000), a doutrina da Gramática Tradicional desconsidera e distorce o vínculo da ideologia com a realidade, com o aparente propósito de “democratizar o acesso à norma culta”. Para o autor, o que a Gramática Tradicional pretende, de fato, é “preservar a distância que separa os que já sabem essa norma culta, dos que a ignoram”.

Pode-se dizer, então, que a ideologia silencia o conhecimento de que a imposição de uma norma padrão foi historicamente constituída a partir de critérios de poder (imposição do latim) e não porque seja naturalmente superior às demais variedades. Conhecer tal realidade, não implica deixar de dominar ou de pretender dominar a variedade padrão porque isso significa ignorar uma regra já instituída pela sociedade, acarretando uma das formas de alienação social apresentadas por Chaui, uma vez que a sociedade é regida por regras e ignorá-las torna a vida social insustentável. Pelo contrário, implicaria em levar o sujeito a conhecer as diversas variedades linguísticas e dar-lhe a possibilidade de optar por usar a norma padrão, pois, dominar a variedade padrão é um direito do cidadão e amplia a sua capacidade de percepção da realidade, bem como de expressar sua inconformidade com ela.