Artigo

Estelionato à distância

Condoeu-me, um dia desses, a aflição de um idoso que, apesar dos 96 anos confessados, andava ainda com as suas próprias pernas – e afoitamente desacompanhado. Era um desses muitos aposentados de classe média assediado por golpistas.

Em voz trêmula, que atribuí à indignação, contou-me que que, meses antes, havia saído de casa, na Graça, para estirar as pernas, e ao voltara à mulher lhe dissera que alguém tinha telefonado sobre um empréstimo consignado.

“Empréstimos?”
“Exato.”
“Mas eu não contratei empréstimo algum!”.

Um mês depois, o primeiro desconto em folha. A vítima iniciou romaria ao banco, gastou o seu latim, foi à policia, fez o boletim de ocorrência, recorreu o Ministério Público e, no limite do desespero, estava processando o banco, o governo, sei lá mais quem. Pois os descontos se sucediam a soma era alta.

Este é um dos vários casos de estelionato em prática. Há um comércio criminoso de endereços residenciais, e-mails, cpfs, cédula de identidade e correntistas. Os meios de comunicação eletrônica entram em nossas residências sem se fazerem anunciar, vasculham gavetas, apoderam-se de dados pessoais.

Recebemos mensagens enganadoras, às vezes usando o nome de pessoas amigas, e se, em momento vulnerável, abrimos o arquivo – adeus. Senhas de acesso são captadas, o disco rígido de contas bancárias se esfacela.

A privacidade acabou nesta era digital que é marca registrada da ladeia global de Mcluhan. Até o telefone virou objeto de tormento e emboscada. Não me refiro ao telefone móvel, vulgarmente chamado de celular, e sim ao velho aparelho fixo. Ele toca nos tira do trabalho e, do outro lado da linha, do fundo do presídio, seja Papuda ou Bangu, a voz melíflua de um bandido repete os nossos dados, para obter confiança, e enfia a mão no nosso bolso.

Vida ingrata, esta. Vive-se de cabelo em pé, em estado de atenção máxima, e de olhos esbugalhados. O telemarketing nos martiriza. E não nos permitem sair da prisão domiciliar.