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Preconceito de gênero na sociedade brasileira

Um levantamento de dados realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mobilizou o país inteiro para um debate sobre a responsabilidade da própria mulher “merecer ser estuprada” quando estiver usando decotes, ou roupas curtas demais. Aquela pesquisa apontou para um fato que a sociedade brasileira parece não querer discutir: a tolerância social em relação à violência contra as mulheres. De acordo com o IPEA, 65,1% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com a frase “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Um absurdo total! No entanto, o próprio Instituto, semanas depois reconheceu um erro metodológico na referida pesquisa e o que antes eram 65,1% tornou-se 26%. O absurdo permanece. Aliás, os absurdos permanecem: primeiro, vivemos numa sociedade ridícula e machista (não importa que os índices da pesquisa tenham sido modificados). Segundo, não podemos confiar, a priori, nos Institutos de pesquisa no Brasil.

Segundo Gustavo Patu (Folha de S. Paulo): “a partir do segundo governo do presidente Lula, (o Instituo) foi transferido do ministério do Planejamento para o Palácio do Planalto e passaram a tratar rotineiramente de temas bem diferentes da pesquisa econômica prevista em sua sigla. No Planalto, o Instituto passou a ser alvo de disputa política. Sob Lula, foi presidido pelo petista Marcio Pochmann; no governo Dilma, a partir de um entendimento com o PMDB, o posto passou a Marcelo Neri, estudioso da queda da pobreza e do impacto do Bolsa Família”.

Apesar da irresponsabilidade do IPEA quanto aos índices divulgados, a pesquisa não deixa de demonstrar os velhos conceitos machistas, que pregam o comportamento recatado como o único válido para mulheres “decentes”. Críticos da pesquisa, ainda alegam que a quantidade de pessoas que participaram dela foi pequena demais para que as manchetes estampassem com tanto vigor a imagem de um Brasil quase medieval. Apesar disso, neste caso, a mídia – e a pesquisa – serviu apenas como estopim de uma discussão que há muito vinha se adiando.

Os elementos de uma sociedade majoritariamente patriarcal podem ser visto no cotidiano brasileiro com clareza – não só por parte dos homens, mas também pelas próprias mulheres, criadas num cerco ideológico fundamentalmente machista. Seja nas piadas misóginas, ou nos comentários maldosos que colocam a mulher como objeto sexual, a realidade brasileira ainda conta com uma característica sexista tão enraizada que muitas vezes passa despercebida pela maior parte da população.
Segundo o Estadão, jornal veiculado em São Paulo, um homem foi expulso de um avião da Trip ao afirmar que se recusaria a permanecer num voo comandado por uma mulher. Caso isolado de preconceito de gênero? Não. Nas empresas e nos transportes públicos, por exemplo, o assédio contra passageiros do sexo feminino chegou a níveis alarmantes. No mercado de trabalho, as mulheres ainda recebem salários reduzidos, desempenhando as mesmas tarefas que colegas homens. O grande problema está na ideia de que a mulher é o “sexo frágil”, e de que ela não tem competência para lidar com cargos e situações que exijam mais firmeza. E isso é transmitido de geração em geração, nos pequenos detalhes da educação infantil. Repreende-se ou ridiculariza-se um garoto que demonstre um sentimento considerado “feminino” (como medo, tristeza), ao passo em que se ensina às jovens meninas a serem submissas perante a força do homem, e, acima de tudo, recatadas. É de extrema importância que se discutam os parâmetros culturais e educacionais da sociedade brasileira, para que ela mesma possa expurgar de si o fantasma do patriarcalismo que desvaloriza e desestimula a participação ativa do sexo feminino, através do controle sociocomportamental deste.