Artigo

O mundo e o eu

Uma onda de insatisfação abala o íntimo do brasileiro nos tempos correntes. É uma espécie de descrença e desalento das instituições públicas, notadamente daquelas geridas pela classe política do país. Tudo isso, entretanto, é fruto de outro grande incômodo em que se vive: o de estar em desacordo consigo mesmo. Qualquer psicanalista amador, aqueles de botequim ou de horas vagas, leitores curiosos do assunto, sabe que todos projetam das suas sombras inconscientes no outro, o qual é meu espelho refletido. Aquele outro que pode ser o inferno, o purgatório ou o paraíso, a depender da forma que se olhe com o que se tem por dentro… Mas o trabalho de projeção é sério e devidamente catalogado pelas ciências mentais e psicanalíticas. Estão aí Carl Gustav Jung e os seus discípulos – ou não – para confirmar a tese. É só pesquisar. Se se enxerga fofoca e podridão no outro é pura e simplesmente porque de maledicência e porcaria se está cheio internamente. Caso contrário, não se veria aquilo que não se habita, não se pertença, não se convém. Daí pode-se aferir que, se as instituições de todos os matizes estão em ruínas, é porque o homem está em ruína! Este vive em prol daquelas, e não o oposto. Quem constrói o dia-a-dia da vida social, profissional, cultural e política é o ser humano, com seus medos, anseios, angústias, idiossincrasias.

Escuridão e luz: uns, mais luz; outros, escuridão. Ademais, se hoje tem-se uma visão desastrosa de que está se caminhando para o caos, de que nada deu certo, de que a civilização faliu, é exatamente porque o homem é um ser em eterna construção, interna e externamente. Há quem diga, no entanto, contrariando essa tese, de que o mundo vai bem, muito obrigado. Olhando para o período da Idade Média e empós, pouco menos de quinhentos anos atrás, as doenças, as guerras, a miséria, era campo comum… Exterminava-se sem lei, piedade, critério algum, a par de muitos se dizerem inclusive religiosos! Assim, há pouco tempo tínhamos cruzados, inquisições, perseguições, massacres, escravidão, etc., como prática banal, legitimada pelos doutos da lei. Isso sem falar de peste bubônica, cólera, malária, febre amarela ou espanhola, tuberculose, sífilis, entre tantas pandemias que assolaram o planeta e, hoje, não fazem o menor sentido! Quando surge uma epidemia, é facilmente isolada, tratada, controlada. O desenvolvimento da ciência, da medicina, da ética e da moral, das normas, do convívio humano, da família moderna, tudo o que se vive no século XXI, melhorou e muito a existência no orbe, individual e coletivamente falando. Não se tem mais caça às bruxas (médiuns) de outrora, não se aniquila na guilhotina ou paredão mais os adversários políticos (como nas revoluções ou contrarrevoluções), não se oprime o outro mais, como antigamente, sem as devidas penalidades, não se têm mais duelos, nem se arrumam mais casamentos de interesses tanto quanto antes. Só para citar alguns exemplos. Igualmente, o amor e o afeto, antes piegas e coisas de maricas, mulheres e bobos, são, nos dias hodiernos, comemorados, sonhados e buscados pelas turbas que se cansaram de viverem em equívocos racionais e unicamente materialistas!

Claro que existem casos isolados de impunidade, selvageria e incivilidade, porém, no geral, é mais ou menos dentro das condições citadas acima que todos vivem, embora muitos foquem apenas os aspectos negativos, pessimistas e ilusórios. Nesse sentido, o mundo está repleto de sintonia, basta girar o dial na direção que se almeja. Por que tantos casos de intolerância e discursos de ódio nas ruas e nas redes sociais, em desrespeito às crenças alheias, à escolha ideológica do próximo, à condição de gênero do outro? A resposta é de uma simplicidade gritante que os mais antigos já haviam descoberto, e como já disse alhures: os olhos só enxergam aquilo que o coração está cheio!