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A posse dos suplentes e o princípio da democracia representativa partidária

É chegada a vez do órgão de cúpula do Poder Judiciário decidir, em análise de mérito, a quem deve pertencer o mandato após a vacância deixada pelos titulares de cargos públicos eletivos das casas legislativas. Aos suplentes dos partidos politicos ou aos suplentes da coligação?

O STF, até meados do mês de marco de 2011, tinha deferido liminares apenas em favor dos Partidos, até que o ministro Ricardo Lewandowski, em decisão liminar, firmou seu convencimento em favor das coligações, sustentando que a lei 7454/85 assevera que “A coligação terá denominação própria, a ela assegurados os direitos que a lei confere aos partidos políticos, aplicando-se também as normas quanto à convocação de suplentes”. O mencionado Ministro, ao defender seu posicionamento, destacou, ainda, que a cadeira ocupada pelo partido decorreu do quociente eleitoral alcançado pela coligação, e não pelo partido isolado.

Recentemente, o ministro Celso de Melo, que até então havia se posicionando em favor dos partidos, alterou seu convencimento, ainda que de forma precária, para se posicionar em favor das coligações, alegando que os efeitos de uma aliança partidária devem ser permanentes.

A questão, portanto, ainda não se encontra pacificada. Como então dirimi-la? Inicialmente é importante ressaltar que um dos princípios basilares do Direito Eleitoral é o da Democracia Representativa Partidária, com fundamento no próprio art. 14, § 3°, V, da Constituição Federal, que exige a filiação a partido político como uma das condições de elegibilidade. Essa exigência da Constituição se deve ao fato de vivemos numa democracia indireta, onde o povo escolhe seus representantes de acordo com a ideologia defendida por cada Partido.

1 Conforme ensinamento de Paulo Bonavides, “há partido político toda vez que uma organização de pessoas, inspiradas por ideias ou movidas por interesses, busca tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para a realização dos fins pugnados.” De acordo com o art. 1° da lei 9096/95, “O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”.

Desta forma, os partidos políticos existem para que as pessoas, envolvidas numa mesma ideologia, se unam em torno de um objetivo político geral para desenvolver atividades que influenciem sobre as decisões políticas do Estado. A representação do Partido Político possui, acima de tudo, uma razão filosófica e social. Defende, na política, o pensamento de um determinado grupo social.

Se assim é conceituado, obviamente que o mandato deve sempre pertencer ao Partido. Defender que a coligação funciona como se um partido fosse é totalmente incorreto. Até porque na coligação não existe representação ideológica do eleitor. Imaginemos o caso hipotético do eleitor que vota em um partido depois de concordar com todas as propostas apresentadas. O voto dado ao partido acaba indo para a coligação, em virtude da manobra eleitoreira permitida pela legislação infraconstitucional, mas não por vontade própria do eleitor. E depois, caso o político vinculado ao partido de sua escolha deixe o cargo, o cidadão acaba por perder a sua representação para um outro partido de bases ideológicas diferentes. Obviamente, que a vontade do eleitor não está sendo respeitada.

Não é razoável permitir que uma legislação hierarquicamente inferior à Constituição Federal, e também editada em momento anterior (1985), afaste a incidência desta. Lembre-se que a coligação se constitui apenas para as eleições, com o intuito estratégico de melhor alcançar o quociente eleitoral, e, consequentemente, assegurar um número maior de cadeiras a serem ocupadas pelos partidos que a integram. Encerrada a eleição, se desfaz a coligação. Conclui-se que não existe possibilidade de coligação representar o povo durante todo o período de exercício do mandato, e, consequentemente, só pode ter os mesmos direitos dos partidos políticos enquanto ela (a coligação) existir.

E não se diga que com a posse do suplente da coligação, continua havendo representatividade partidária, já que o suplente é filiado a algum partido. De fato, continua havendo representação por outro Partido, mas não há representação da mesma parte da população que até então estava sendo representada. Se assim pudesse ser formado o pensamento, deveriam ser consideradas injustas as decisões da Justiça Eleitoral que mantiveram o mandato nas mãos do partido ao invés de manter na titularidade de eventual candidato que se desfiliou e passou a integrar uma outra agremiação (infidelidade partidária). Pois, também nestes casos, haveria continuidade de representação partidária através do novo partido ao qual o candidato eleito se filiou.

Fato é que não existe na figura da coligação, o intuito de defender a ideologia de determinada parcela da população. Tanto é verdade que a legislação permite a formação de coligações diversas em todas as esferas: municipal, estadual e presidencial. A formação da coligação é uma atitude meramente eleitoreira, que não guarda qualquer relação com o princípio da democracia representativa partidária. Portanto, optar em dar posse aos suplentes da coligação é desrespeitar a representação popular prevista nos artigos 1° e 14° da CF/88.

Lembre-se, ainda, que tais fundamentos foram utilizados quando o Poder Judiciário Brasileiro decidiu que os mandatos pertenciam ao partido e não aos candidatos. Por que então pensar de forma diversa agora, quando a discussão envolve os mesmos motivos e interesses?

Esperamos, assim, que o Supremo Tribunal Federal, como instituição guardiã da Constituição Federal, proteja a o principio da democracia representativa partidária, dando posse aos suplentes dos próprios partidos, para que sejam respeitadas as ideologias dos próprios eleitores.