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O exercício da jurisdição constitucional: Um instrumento de preservação do Estado Democrático de Direito

Muito se discute a legitimidade do poder judiciário para rever os atos administrativos do executivo e as leis aprovadas pelo legislativo. Essa discussão não é atual. Os críticos alegam que o poder judiciário não tem legitimidade para tomar essa decisão, argumentam que os juízes não sofrem uma avaliação popular e, portanto, não podem afastar os atos do Executivo e do Legislativo. Aqueles que defendem o controle judicial inferem que compete ao poder judiciário dizer o direito que está na Constituição.

Não é possível que um ato lesivo do legislativo e/ou do executivo ao entrar no ordenamento e ofender uma norma de eficácia plena que, por si só, irradia aplicação, não mereça o cuidado judicial. Ao poder judiciário compete receber as ações e dela tomar conhecimento, especialmente, quando se tratar de direitos materiais fundamentais. O magistrado não pode aplicar o princípio do non liquet, não pode ser um “Pôncio Pilatos”. A jurisdição estaria reduzida, limitada e comprometendo os seus limites e a sua funcionalidade.

Desde 1803, a partir do julgamento do caso Marbury X Madison, que teve como relator o Juiz da Corte Americana, John Marshall, o controle judicial tem recebido contornos que têm afirmado a competência do poder judiciário como importante meio para a efetivação dos direitos fundamentais, bem como para garantir a supremacia da constituição e o respeito à estrutura do próprio estado e a observância das competências de cada órgão constitucional. Naquela oportunidade, Marshall chamou a atenção de todos para ressaltar que o “governo dos EUA se chamava governo das leis e não de homens”, assim como advertiu que na Grã Bretanha, o rei é citado pessoalmente na forma de uma petição quando ofende o direito do cidadão e ele jamais deixou de se conformar com as decisões judiciais.

Nesse sentido, a jurisdição constitucional cumpre um papel de relevo no estado democrático de direito, no caso brasileiro, o STF tem tomando decisões que asseguram determinados direitos às minorias, protegendo os direitos fundamentais de grupos que ora são numericamente inferiores à população, mas também podem ser numericamente maior, mas não possui maioria no Congresso Nacional e que, historicamente, estiveram á margem socialmente, conforme evidencia Luís Barroso (2012), ao informar que um dos fundamentos do controle de constitucionalidade na “proteção dos direitos fundamentais, inclusive e, sobretudo, os das minorias, em face de maiorias parlamentares eventuais. Seu pressuposto é a existência de valores materiais compartilhados pela sociedade que devem ser preservados das injunções estritamente políticas”.

Nesse sentido, o STF tem tomado decisões que, por vezes, conflitam, aparentemente, com o direito da maioria. Assim, foi com o julgamento das ações afirmativas, ADPF 186, quando os ministros entenderam que as cotas raciais possuem fundamentos constitucionais e, portanto, são válidas. A Corte sustentou que a Constituição Federal impõe uma reparação de danos pretéritos do país em relação aos negros, com base no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, que preconiza, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e que as políticas afirmativas servem para garantir direito a todos os seres humanos a um tratamento igualitário e respeitoso. Do mesmo modo, promoveu a integração e interpretação do sistema constitucional e, à unanimidade, compreendeu que a união estável entre pessoas do mesmo sexo tem cabimento no ordenamento jurídico brasileiro ao reconhecer os direitos das minorias e aos direitos fundamentais básicos e identificar que se tratava do cumprimento da própria essência da jurisdição constitucional (BRITTO, 2011).

E neste século, um desafio que se impõe ao Estado é equacionar os interesses da maioria e da minoria. É importante fazer essa equação para impedir uma ditadura da maioria e percorrer um processo inverso à evolução dos direitos humanos. A democracia não pode significar um obstáculo aos direitos das minorias, pelo contrário, ao apresentar o standard da democracia, o Estado Democrático de Direito deve prezar pelos direitos das minorias.