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STF e opinião pública

Em sessão de 12 de setembro de 2013, ao final do voto prolatado pelo Ministro Marco Aurélio, que chegou ao empate que posteriormente seria decidido pelo decano do STF (Supremo Tribunal Federal), no sentido de inadmitir os embargos infringentes em face do acórdão condenatório nos autos da Ação Penal 470 (Mensalão), interessante aspecto deve ser registrado.

Dado o limitado espaço dessa coluna para explorar de modo acadêmico as variadas gradações da nova rodada de julgamento e a riqueza de alguns temas que ali foram debatidos (com maior ou menor profundidade), optamos por mencionar apenas um aspecto interessante. Refere-se à percepção da Suprema Corte a respeito de seu papel contramajoritário e sua relação com a chamada “opinião pública”.

De fato, ao final do longo voto do Ministro Marco Aurélio, houve ligeiro debate entre ele e o Ministro Roberto Barroso. Nessa troca de opiniões, ficou claro o entendimento de cada um sobre a relação entre a Suprema Corte e a chamada “opinião pública”.

Colocamos a expressão propositadamente entre aspas porque já tivemos oportunidade de tecer crítica a seu respeito.

O Ministro Marco Aurélio, expressando indignação no seu voto com a situação ali submetida à apreciação, confessava-se refém do que a multidão pensaria com aquela decisão (se fosse ao final favorável aos acusados) e a frustração na confiança que a sociedade depositou na Corte para o julgamento da questão (contra a impunidade), na medida em que seria servidor de seus concidadãos (e, portanto, merecedores de satisfação). Além disso, o Ministro Gilmar Mendes, em ligeiro aparte, destacou a repercussão e as consequências que a decisão teria para os novos juízes pelo Brasil afora.

Ao contrário, calmo e sereno, o Ministro Roberto Barroso defendeu o seu ponto de vista, com a abertura da divergência (que ao final restou vencedora), no sentido de que a sua convicção pessoal deveria pautar a sua decisão, isto é, explicitou claramente que não se pautaria pela repercussão do seu voto nos jornais do dia seguinte, e muito menos com manchete favorável. Encareceu que o julgamento não deve ser pautado pelo desejo virtualmente expressado pela multidão, por mais meritória que seja o anseio da Corte em atendê-la, mas o foco deve ser dado a partir do julgamento de pessoas.

Em resposta, o Ministro Marco Aurélio explicitou que jamais imaginou que qualquer integrante da Suprema Corte pudesse votar segundo a leitura dos veículos de comunicação em circulação na data da sessão.

Com essa resposta, restou claro que ambos falavam do mesmo fenômeno: o juiz não deve se curvar à opinião leiga e à expectativa da multidão expressada pela opinião publicada. Ao contrário, deve decidir sempre de acordo com a sua livre consciência e convicção, independente das consequências decorrentes da decisão nos jornais do dia seguinte.

No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello, na sessão seguinte, esclareceu sobre o elevado protagonismo do STF como última trincheira na proteção e defesa das liberdades fundamentais, razão pela qual os seus julgamentos imparciais, isentos e independentes não podem expor-se às pressões externas, como aquelas resultantes do clamor popular e da pressão das multidões, sob pena de completa subversão do regime constitucional do devido processo penal.

A crítica é inerente ao exercício do cargo de quem quer que exerça a função jurisdicional, na medida em que relevantes e difíceis questões são decididas, no STF, com o cômputo de onze votos completamente independentes e por vezes até mesmo desarticulados entre si. Nesse sentido, atuação exemplar no caso teve o Revisor, Ministro Ricardo Lewandowski, que sustentou a sua posição com altivez e de modo independente em relação a toda a carga negativa que foi veiculada pelos órgãos da mídia durante o segundo semestre de 2012.

A grande lição que fica desse debate é simples: não cabe a qualquer membro do Poder Judiciário, e muito menos a um Ministro do STF, sucumbir à cômoda e conveniente vontade da maioria, seja ela expressa através da opinião publicada pelos órgãos da mídia, seja ela velada e sentida com as manifestações de pensamento e expressão.

E a razão disso é simples. A partir do momento em que passamos a admitir exceções para os “outros” (eles) em situações casuísticas, então daí para a instauração de regime distorcido e excepcional é um pulo. E isso sim faz sucumbir o pilar do Estado Democrático de Direito, sustentado a partir dos sólidos princípios da segurança jurídica e da manutenção das regras do jogo (sem a sua mudança repentina).

Desse modo, esperamos que o STF aproveite a oportunidade que terá com o novo julgamento dos acusados que opuseram embargos infringentes e decidam de modo independente e sereno, livre de qualquer influência externa da pressão dos órgãos da mídia. A expectativa é de que isso ocorra no primeiro semestre do próximo ano e certamente vale acompanhar.