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Tem comédia pra todo gosto

No sentido literário e antigo, comédia designa qualquer peça, independentemente do gênero. Segundo Patrice Pavis define-se comédia por três critérios que a opõem à tragédia: suas personagens são de condição modesta, seu desenlace é feliz e sua finalidade é provocar o riso no espectador. A comédia nada tem a extrair de um fundo histórico ou mitológico; ela se dedica à realidade cotidiana e prosaica das pessoas comuns; daí a capacidade de adaptação a qualquer sociedade, a infinita diversidade de suas manifestações e a dificuldade de deduzir uma teoria coerente da comédia. Numa comédia a fábula passa pelas fases de equilíbrio, desequilíbrio, novo equilíbrio.

A comédia pressupõe uma visa contrastada, até contraditória do mundo: um mundo normal, geralmente reflexo do mundo do público do espectador, julga e caçoa do mundo anormal das personagens consideradas diferentes, originais, ridículas e, portanto, cômicas. Existem vários tipos de comédia. A comédia antiga deriva dos ritos de fertilidade em homenagem a Dioniso, era uma sátira violenta, muitas vezes grotesca e obscena; a comédia-balé é aquela em que balés interferem no curso da ação da peça ou como intermédios autônomos entre cenas ou atos; a comédia burlesca apresenta uma série de peripécias cômicas e chistes (burlas) burlescos que ocorrem com uma personagem extravagante e bufona; a comédia de caráter descreve personagens esboçadas com muita precisa em suas propriedades psicológicas e morais. Ela leva a certo estadismo ao propor uma galeria de retratos que dispensam a intriga, a ação e o movimento contínuo para tomar corpo.

A comédia de costumes estuda o comportamento do homem em sociedade, das diferenças de classe, meio e caráter; a comédia de gaveta (tem até essa!) oferece uma sequência de esquetes ou de cenas curtas em torno de um mesmo tema e com variações de um mesmo conflito, multiplicando episódios cuja tendência é se tornarem autônomos; a comédia de humores é baseada na concepção médica dos quatro humores que regem a conduta humana, visa criar personagens-tipo, que são determinadas fisiologicamente e que agem em função de um humor, mantendo comportamento idêntico em todas as situações. Existem ainda a comédia de ideias onde são debatidos, de forma humorística ou séria, sistemas de ideias e filosofias de vida; a comédia de intriga que opõe-se à comédia de caráter. Nesta as personagens são esboçadas de modo aproximado e os múltiplos recrudescimentos da ação propiciam a ilusão de movimento contínuo da ação. A comédia de salão em que quase sempre mostra personagens discutindo num salão burguês. O cômico é exclusivamente verbal, muito sutil e à procura da palavra certa ou da palavra do autor. A ação se restringe à troca de ideias, de argumentos ou de mordacidades formuladas de modo agradável. Já a comédia de situação se caracteriza mais pelo ritmo rápido da ação e pelo imbróglio da intriga que pela profundidade dos caracteres esboçados. E não acaba por aqui. Há a comédia heróica que é um gênero intermediário entre a tragédia e a comédia, a comédia heróica coloca personagens de alta linhagem em apuros numa ação de final feliz, na qual se “vê nascer perigo algum que possa levar-nos à piedade ou ao temor.” A comédia lacrimosa (é, esta também existe) é o gênero equivalente ao drama burguês do século XVIII, cujos temas, tomados por empréstimo à vida cotidiana do mundo burguês, provocam emoção, e até mesmo lágrimas do público; a comédia negra se aproxima do tragicômico. A peça, de comédia, só tem o nome. Sua visão é pessimista e desiludida sem dispor sequer do recurso da solução trágica. Por fim, temos a comédia nova, do teatro cômico grego, que pinta a vida cotidiana e apela para tipos e situações estereotipadas; a comédia pastoral que exalta a vida simples dos pastores eleitos como protótipos da existência inocente, utópica e nostálgica dos bons e velhos tempos, e a comédia satírica, peça que põe em cena e critica uma prática social ou política ou um vício humano.

Coisa que a Cia Casa Aberta de Teatro de Ilhéus sabe fazer muito bem. Saiba mais em Dicionário de Teatro, de Patrice Pavis, Editora Perspectiva.