Artigo

Denial – Liberdade de Expressão e o Direito à Verdade no Estado de Direito

O filme “Negação”, recentemente exibido nos cinemas do Brasil, trouxe a lume o debate acerca da possível existência da objetividade da verdade histórica e os limites da liberdade de expressão, em especial no meio cientifico- acadêmico. Até que ponto o pesquisador pode influir, a partir de sua perspectiva subjetiva e pessoal, nos resultados de sua pesquisa, ainda que tais resultados contrastem com conceitos e teses já solidamente estabelecidos? Na obra cinematográfica, inspirada em fatos verídicos, David Irving processa judicialmente a historiada da Universidade de Emory, Atlanta (USA), Deborah Lipstadt, por acusa-lo de antissemitismo a partir da distorção de acontecimentos históricos que negariam, em última análise, a existência do genocídio de judeus à época do terceiro Reich. O tema do Holocausto é recorrente e de referência obrigatória quando falamos em violação de direitos humanos e democracia, seja pela crueldade e brutalidade dos acontecimentos, seja ainda pela recente data dos fatos em perspectiva histórica.

Seria possível questionar a existência história do Holocausto? E mais, seria possível divulgar tal posicionamento amparado pelo direito à liberdade de expressão? O discurso do ódio e a propagação do racismo já foram objeto de decisões judiciais, no Brasil e no exterior, que vêm restringindo o chamado âmbito de proteção do direito à liberdade de expressão (HC 82424/2003 – STF). Em sede de Direito internacional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já sedimentou o entendimento de que a busca pela verdade história é um direito humano fundamental, e que é dever do Estado envidar esforços, administrativos e judiciais, para a consecução de tal desiderato (Gomes Lund vs. Brasil, 2010). O texto constitucional brasileiro, em pelo menos dois dispositivos expressos, ratifica a limitação jurídica à liberdade de expressão, ainda que inserta no ambiente científico e acadêmico. O art. 5º, inc. XXXIII, da Constituição brasileira estabelece o direito à informação de interesse individual, coletivo e geral a ser prestado no prazo legal pelos órgãos públicos, bem como o inc. XLII que prevê como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia o racismo. A verdade histórica e o repúdio a atos que consubstanciam o racismo e o discurso do ódio, mesmo na academia e no mundo científico, são limites constitucionais à liberdade de investigação e expressão, consagrando postulados valorativos imunes ao pluralismo subjetivista e ao relativismo moral, tão presentes nas ciências sociais e humanas, hodiernamente.

Podemos escrever e falar sobre o que quisermos como pressuposto lógico da liberdade de expressão e manifestação? A resposta, no marco de um Estado de Direito, é negativa. A ordem jurídica impõe deveres fundamentais de respeito à história, na condição de ciência que dispõe de verdades objetivas cientificamente auferíveis. A Constituição proíbe o discurso do ódio, a incitação ao racismo e à violação de direitos, não constituindo a investigação científica um espaço autônomo à regulação jurídica restritiva. Fica então a dica de cinema para juristas e não-juristas, como bela introdução ao debate sobre um tema imbricado que transita nas encruzilhadas do direito constitucional e da filosofia do Direito.