Entrevista

Entrevista com o contista premiado, cronista, crítico ensaísta e escritor com 30 livros publicados e membro da Academia de Letras de Ilhéus (ALI) Hélio Pólvora.

entrevistado desta edição do jornal DIREITOS é o escritor e membro das Academias de Letras da Bahia e de Ilhéus (ALI), Hélio Pólvora de Almeida, que está lançando o seu primeiro romance Inúteis luas obscenas (Casarão do Verbo), que é um mergulho na Bahia rural das memórias do autor, nascido em uma fazenda de cacau em Itabuna. O ensaísta-escritor tem trinta livros lançados, mas nunca havia arriscado em escrever um romance.

O senhor tem mais de 50 anos de
literatura. Por que demorou tanto para publicar um romance?

Hélio Pólvora – Sempre tive pelo conto um apego muito grande. Quando estreei em 1958, com o livro de contos Os galos da aurora, o escritor Adonias Filho, uma da notabilidade s da época, escreveu um artigo sobre o livro dizendo que logo eu chegaria ao romance. Foi uma previsão um tanto afoita. Mas a idéia do romance ficou em mim durante muitos anos. Houve uma época em que eu tentei, mas acabava depressa. Não estou me comparando, mas um caso parecido é o de Tchekov, que foi contista e nunca conseguiu escrever um romance, embora tenha tentado muito.

Como a ideia se concretizou?

Um personagem do livro, que chamo de Surdo, foi inspirado em uma pessoa que conheci no interior da Bahia. Ora julgávamos que era surdo, ora que estava fingindo. Um personagem enigmático, que se valia de uma meia surdez para praticar a arte da dissimulação. Por outro lado, a surdez fazia o meio hostil a ele. Não era um intelectual, mas tinha uma sabedoria instintiva. Sente ter algo a dizer, mas encontra dificuldades. Está colocada romance a dificuldade da comunicação humana.

A estrutura com vais vozes foi
uma forma de decidir não resolver esse problema?

Teve essa intenção. Os personagens narram, falam de si e também dos demais. Então ao mesmo tempo também são narrados. E há a estrutura do narrador, que tudo sabe. Todos esses planos narrativos lembram um pouco Enquanto agonizo, de Wiliam Faulkner. Com uma diferença: aqui as narrativas são seqüenciadas. Há o desejo de contar uma história episodicamente. Em Faulkner os tempos são mais tumultuados.

O livro retoma a tradição do romance ruralista, um pouco abandonado
no Brasil. Esse abandono devese a quê?

O Brasil passou por uma urbanização violenta. O campo se esvaziou, a população rural caiu, para em torno de 20% e as cidades são monstruosas. O campo sempre me atraiu. Ele reflete um momento da ficção brasileira muito importante: Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, Érico Veríssimo, Delcídio Jurandir, eles outros refletem a ambiência acentuadamente mais rural do que urbana na sua época. Eu diria que Inúteis luas obscenas há uma moldura rural, porque o livro tem uma direção psicológica. A descrição da paisagem não é preponderante, é impressionista. Depende do estado de ânimo dos personagens.

Outra personagem interessante é Celina. Ela me lembrou o anjo de Teorema, file da Pasolini, pois desestrutura a família. Mas é anjo ou diabo?

Celina é a lua. Selene, em grego. Mas a lua em suas fases. Celina tem vários lados. É a mulher sensual, a mulher terna, a mulher caseira, a mulher diabólica. Ama, mas é também capaz de odiar. É uma criação pura, uma mistura de mulheres. Um resumo de semblantes, gestos. Nada tem a ver com alguém que conheci, ao contrário do Surdo. Os dois têm um caso amoroso que desperta reflexões sobre a velhice A Celina é a lua nova. Adonias Filho dizia que, para escrever sobre a velhice, é preciso ser velho. Não concordo muito com isso. Acho que a gente precisa é ser jovem (risos). Mas, como disse Machado de Assis, as estações passam e não é possível permanecer só na primavera. O Surdo está entre o outono e o começo do inverno quando conhece Celina e tem um último amor, que representa um dos maiores temas da literatura. O livro, por sinal, cita várias referências de grandes escritores. É um romance com uma preocupação que está desaparecendo da ficção moderna, que é a questão da linguagem apurada. Há um processo de composição para ela se ajustar ao ambiente, à psicologia dos personagens. E procura ser melodiosa, ter ritmo. É que se chamava de prosa. Hoje não mais se fala nisso, mas os escritores se preocupam com o “como dizer”. “Com dizer” é mais importante do que “o que dizer”. Os enredos estão aí, são mais ou menos parecidos. A dificuldade é exprimir isso sem de uma forma banal. Tem que ter conteúdo humano. Acho que a literatura brasileira e mundial está se empobrecendo. Estão faltando ficcionistas. Há muito apego ao fato, mas o fato por si só não diz nada. Quero saber é a versão do fato.

Depois de Inúteis luas obscenas, o contista Hélio Pólvora vai virar romancista?

Na verdade, este é meu segundo romance. Há um outro que escrevi antes, mas decidi publicar apenas no ano que vem. E já comecei a escrever um terceiro. Pelo menos esses três vou fazer. Quer dizer, dois já estão feitos e o terceiro está na metade.

Pegou o jeito?
Acho que agora vai.

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Entrevista concedia ao jornal Atarde no dia 18/09/2010