Entrevista

Entrevista com o Advogado e professor Thiago Oliveira Castro Vieira

Thiago Oliveira Castro Vieira é advogado e professor, graduado pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL, adquiriu amplo conhecimento e experiência nos ramos do Direito Eletrônico e do Direito Público (Penal, Processual Penal e Administrativo). Engajou-se ainda em causas sociais na luta a favor dos Direitos Humanos, tendo integrado a Diretoria do Patronato de Presos e Egressos do Estado da Bahia, na gestão de 2002, na qualidade de Corregedor Geral e fundado a Associação Safernet Brasil, ONG que se consolidou como referência no enfrentamento aos crimes e violações aos Direitos Humanos na Internet. Membro da Comissão Especial da Informática Jurídica da OAB/Bahia.

No Dia Nacional de Luta das Pessoas Deficientes, 21 de setembro, o Ministério da Educação – MEC publicou dados estatísticos que apontam que quase metade das crianças e adolescentes (48%) com algum tipo de deficiência e que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) está fora da escola. Esse percentual equivale a cerca de 200 mil jovens, que por lei deveriam estar estudando em um curso de formação regular, mas não estão. Estima-se que a exclusão de deficientes seja muito maior quando se trata de cursos de educação complementares, como por exemplo, de língua estrangeira ou preparatório para concursos, onde não há lei ordinária regulamentando a matéria.
No mesmo dia também foi publicada a decisão da 4ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça da Bahia que determinou que um curso preparatório para concurso de residência médica promovesse adaptações em seu material didático para incluir um portador de daltonismo.

DIREITOS – Em que consiste o caso?

Thiago Oliveira Castro Vieira – O material didático fornecido pelo curso possuía um sistema de codificação em cores, impossível de ser decifrado sem a exata percepção destas. Um aluno, portador de uma deficiência sensorial caracterizada pela incapacidade de diferenciar todas ou algumas cores, popularmente conhecida como daltonismo, solicitou que o curso promovesse uma pequena adaptação no material didático, tornando possível a absorção das informações. Quando as cores são o único método de transmissão da informação os daltônicos são incapazes de acessá-la.

A recusa da empresa em fornecer o material didático em formato compatível com a deficiência do aluno, se baseava no argumento de que é um curso livre e eletivo, não tendo obrigação de promover qualquer adaptação para incluir os deficientes. Ou seja, na ótica da empresa ao portador de deficiência só está assegurada a educação básica e estatal. Sendo privativo das pessoas ditas “normais” o acesso a educação complementar.

A decisão da 4ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça da Bahia, fundamentada na Constituição Federal de 1988 e em tratados internacionais, diz exatamente o contrário. Ficou assentado que aos portadores de deficiência é assegurado o direito de acesso ao mais amplo conhecimento, bem como o pleno exercício de sua condição humana, em que igualdade de direitos e obrigações.

DIREITOS – Qual a importânciadessa decisão para os portadores de daltonismo?

Thiago Oliveira Castro Vieira – Estudos apontam que a discromatopsia atinge 8% a 10% dos homens e apenas 0,4% das mulheres, ou seja, cerca de 15 milhões de brasileiros, são acometidos pelo daltonismo em menor ou maior grau. A decisão da 4ª Turma Recursal é a primeira do Brasil que reconheceu que estes brasileiros são protegidos pelos direitos estabelecidos pela Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação. Demais disso, também ficou afincado que empresas privadas não estão exoneradas de observar o princípio da dignidade da pessoa humana, não se admitindo, pois, qualquer forma de exclusão social de pessoas portadoras de deficiência.


Trata-se de um importante precedente, que certamente embasará futuras decisões em todo o país. O que beneficiará não apenas os daltônicos, mas todos os portadores de deficiência que necessitarem de adaptações em cursos complementares.