Entrevista

Entrevista com o escritor e tradutor grapiúna Hélio Pólvora sobre a importância de Hemingway

O que Ernest Hemingway representa não só para a literatura norte- -americana do século 20, mas também universal?
Hélio Pólvora – Hemingway pertenceu à lost generation (geração perdida), definição cunhada por Gertrude Stein, musa em Paris de um grupo de escritores que, no interregno de duas guerras mundiais, esvaziaram a crença em valores considerados absolutos ou eternos. Tinha temperamento sombrio de herói trágico: o pai, o médico Clarence Hemingway, que lhe dera o primeiro rifle e o ensinara a caçar, suicidou-se. O escritor, já idoso e dominado pelas limitações da velhice, indignas de um sportsman, enfiou na boca os dois canos de uma espingarda de matar elefante – disparou. Além disso, apreciava a vida livre e rústica (raw life), e sentia a natureza em declínio. Sua ficção é a de um descrente, um nihilista que busca a aventura como contrapartida ao tédio de um mundo já banalizado. Depois dele, e paralelamente com Franz Kakfa, a boa literatura reflete uma sensação de perda e busca de identidade.

Que tipo de inovação ou renovação estilistica / linguística ele trouxe?
Hélio Pólvora – Ele foi o corifeu dos que procuram a palavra exata, sem adorno – a palavra capaz de resumir situações e temperamentos. Escreveu com simplicidade – mas uma simplicidade enganosa, produto de despojamento e depuração. Fez literatura superior, na medida em que, em vez de descrever ações e sentimentos de personagens, deixou-os transparecer no que eles diziam e, sobretudo, no que faziam, namaneiracomo reagiam à vida.

Para o senhor, Hemingway é mais cultuado pela literatura em si ou pela personalidade forte, já que fazia o tipo macho aventureiro, em oposição aos europeus mais sensíveis e de modos mais delicados?
Hélio Pólvora – Por ambas as facetas. Mas creio que cultivou mais a raw life, pela necessidade de ser e criar heróis másculos numa sociedade de fracos e medíocres. Ademais, o fato de arriscar-se era uma forma disfarçada de arreliar a morte, ou talvez de apressá-la. Mas embora passe a ideia de ficcionista duro, avesso ao sentimentalismo, acreditava, no fundo, que os sinos tangem por todos nós, conforme a epígrafe de John Donne em Por Quem os Sinos Dobram, romance sobre a Guerra Civil Espanhola.

As traduções brasileiras fazem jus à obra? O senhor tem alguma observação nesse sentido?
Hélio Pólvora – Gosto das traduções de Breno da Silveira e de algumas mais recentes. Eu próprio traduzi The Nick Adams Stories (As Aventuras de Nick Adams), contos ambientados nas florwstas de Michigan, sobre o seu alter ego Nick à procura das próprias trilhas existenciais, sobre a guerra, sobre o desconsolado retorno do soldado e o eterno (e prazeroso, naturalmente) conflito homem- mulher. Traduzi também The Good Lion, uma história infantil. Admiro Heminway mais como contista (As Neves de Kilimanjaro, Os Assassinos, O Velho e o Mar, Agora eu Me Deito, O Último Lugar Bom, Colinas Como Elefantes Brancos, O Fim de Algo, A Vida Curta e Feliz de Francis Macomber, dentre outros). Dos seus romances, prefiro O Sol Também se Levanta.

No início da carreira, Hemingway era um romancista mais ligado em temas sanguíneos, digamos assim, como guerras, touradas, assassinatos. Em sua fase mais tardia, me parece que ficou mais contemplativo e ligado em pequenos dramas solitários e familiares. O senhor prefere o Hemingway mais novo ou mais velho?
Hélio Pólvora – Ele é um só. Nas suas relações com as mulheres, me parece um asceta, apesar de reincidente. Isso, e mais o empenho de se mostrar macho e corajoso, como se desafiado, além do culto aos toureiros espanhóis, levantaram a suspeita de tendência homossexual. Não discuto essas coisas, Hemingway teve o infortúnio de buscar o paraíso edênico no momento em que se argui no mundo inteiro a civilização criada pelo homem e que contra este se volta. O sonho de Hemingway por uma vida mais natural faz parte do “sonho americano” e dos sonhos de homens e mulheres dos nossos dias. Qual é a sua história com o autor? Quando ele entrou no seu gosto pessoal? Ele representa uma influência para o senhor enquanto escritor? Hélio Pólvora – Em comum com ele tenho a origem rural, o desprezo à vida enlatada. Procuro também, na escrita ficcional, ser conciso e contundente. E só. Sou caçador e pescador de mentira. Detesto touradas. Travei contato com o ficcionismo de Ernest Hemingway no conto The Killers, nos romances The Sun Also Rises e A Farewell to Arms, Mais tarde, visitei as duas casas de sua infância e adolescência, a poucos quilômetros de Chicago. O tema de “O Velho e o Mar” é retomado, de certa forma, em uma novela minha, O Rei dos Surubins, com a diferença de que, no meu caso, se trata de um pescador índio, há uma personagem feminina, há referências bíblicas e o velho, antes de morrer, solta o peixe mítico, com o qual dialogava nos enleios da velhice.

Entrevista concedida a Chico Castro Jr. para www.atarde.com.br