Entrevista

Presidente nacional da OAB é o entrevistado dessa edição do DIREITOS Marcus Vinícius Furtado Coêlho

Uma questão polêmica e que é bandeira defendida pela OAB e que determina o fim do financiamento das campanhas eleitorais por empresas privadas está em julgamento no STF. Na sua visão o que esta proibição contribuiria para a sociedade?

Marcus Coêlho – A OAB, como voz constitucional do cidadão, entende que é inconstitucional algumas pessoas jurídicas serem mais importantes nas eleições porque possuem mais dinheiro. Isso fere o princípio da igualdade e o postulado republicano de um homem um voto. A legislação que regula o financiamento de campanhas acertadamente proíbe a contribuição de sindicatos e de organizações de classe e religiosas. Assim, não podem as empresas participar da vida política nacional. A Constituição aduz que a legislação deve proteger a legitimidade das eleições, contendo o abuso do poder econômico. A diminuição do “caixa 2” advirá da visualização dos gastos de campanha. Com o alto volume investido por empresas, ele passa a não ser perceptível. A ausência deste investimento protegerá a legitimidade das eleições, tornando evidente o abuso econômico. O partido é a pessoa jurídica de direito privado escolhida pela Constituição para intermediar a vontade do cidadão com o exercício do poder – e empresas não podem participar de partidos. A participação censitária no processo eleitoral fere a igualdade política entre os cidadãos e entre candidatos e partidos. A ação proposta pela OAB não objetiva diminuir a atividade pública nem generalizar ou criminalizar a política. Seu norte é valorizá-las, dizer que são essenciais a todos os cidadãos, independentemente de sua renda. Em uma recente pesquisa encomendada pela OAB, 72% dos entrevistados disseram ser contrários ao atual modelo de financiamento de campanhas.

Processos judiciais são geralmente morosos e podem levar longos anos. Quais seriam os meios alternativos para a solução de conflitos que podem ser adotados para reduzir o grande volume de processos?
Marcus Coêlho – Mediação e arbitragem são cada vez mais uma realidade, sendo uma alternativa extrajudicial que em muito contribuem para o processo a solução de conflitos e são meios complementares de atuação para a advocacia.

Mas é importante ressaltar que é preciso um ajuste na gestão dos tribunais. O primeiro grau, que é onde está a maior parte dos processos, precisa de investimentos para atender a demanda crescente de ações. Por isso é necessária a aprovação do novo Código de Processo Civil, que trará uma série de inovações para desburocratizar o processo judicial no Brasil.

Atualmente é comum observar que vários processos se arrastam por anos. Um dos entraves é a possibilidade de recursos disponíveis até chegar ao STF. O senhor acredita que seria possível uma mudança onde o ritoprocessual pudesse ser mais curto e consequentemente mais célere?

Marcus Coêlho – Cerca de um quarto dos recursos são providos pelo Supremo Tribunal Federal. No Superior Tribunal de Justiça são aproximadamente 60 mil por ano. O remédio contra a morosidade do judiciário é gestão e investimento nas áreas onde o problema é maior, que é a primeira instância. Há garantias constitucionais que devem ser asseguradas.

Não se pode mexer em uma clausula pétrea, que é o princípio da presunção da inocência e o direito à ampla defesa.

Qual a avaliação da OAB sobre o processo eletrônico usado como saída para acelerar trâmites na Justiça?
Marcus Coêlho – A advocacia não é contra o processo eletrônico, mas sim a sua implantação açodada. Temos a garantia do novo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, de que as críticas e sugestões da OAB e da advocacia quanto ao sistema serão levadas em consideração, para que o sistema seja constantemente aprimorado. Precisamos sempre ter em mente que a sociedade brasileira padece com o péssimo serviço prestado pelas empresas de telefonia e internet.
Se o “apagão” das conexões é algo usual nas capitais, nas cidades que integram as regiões mais distantes das metrópoles a realidade é ainda pior. A Ordem tem buscado junto aos tribunais e ao CNJ para que ajustes sejam feitos de maneira permanente. Um bom exemplo a ser seguido é a declaração de Imposto de Renda.
Antes de transformar o sistema, a Receita trabalhou por anos com a opção de declaração por meio físico. Ao longo do tempo, com os devidos ajustes no sistema, e com a confiança do contribuinte, o sistema eletrônico foi se tornando a opção para a imensa maioria. Esso é um bom exemplo de transição segura.

Qual sua avaliação sobre o projeto que permite que bacharéis sem OAB atuem em funções jurídicas, o chamado paralegal, que foi aprovado pela Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ)?

Marcus Coêlho – O projeto é um verdadeiro equívoco. Trata-se de um passo atrás para a qualificação da carreira jurídica no Brasil. Acaba sendo um desestímulo à qualificação do bacharel para a aprovação no Exame de Ordem, que é um balizador de conhecimento mínimo para a garantia da defesa dos direitos da sociedade. A proposta não oferece avanço algum à sociedade, criando uma subclasse de advogados que não passaram no exame da OAB.

O Exame da Ordem já recebeu críticas por muitas vezes estar incompatível
com os cursos de direito do país. Quais as mudanças propostas pela OAB nos cursos de direito.

Como está o projeto?

Marcus Coêlho – Em primeiro lugar é preciso destacar que em menos de 15 anos o Brasil passou de 150 para 1.260 faculdades de Direito, formando cerca de 100 mil bacharéis por ano. A incompatibilidade está no método de ensino, não na avaliação. Sabemos muito bem do drama que enfrentam os bacharéis. A grande maioria dos que não são aprovados no Exame de Ordem são, na verdade, vítimas de um estelionato educacional, promovido por faculdades caça-níqueis, muito mais preocupadas com o lucro fácil do que com a devida formação dos alunos. A Ordem busca junto ao MEC uma ampla reforma no ensino jurídico do País, para que alunos sejam verdadeiramente preparados para a advocacia. São muitos os critérios a serem alterados, como a análise periódica da qualidade do conteúdo e do corpo de professores, da quantidade de vagas disponíveis, do número de alunos por sala de aula, da qualidade das bibliotecas, da supervisão adequada do período de estágio.