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Polêmicas no STF: o debate sobre o marco temporal e o casamento entre pessoas do mesmo sexo 

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Na caminhada acadêmica um de meus prazeres foi ter sido aluno do professor Edvaldo Brito, na disciplina Jurisdição Constitucional, no mestrado em direito na UFBA. Faço questão de trazer à baila essa condição para esboçar algumas lições aprendidas naquela  turma de mestrandos, que foi agraciada com temas polêmicos em 2013, tal como a Proposta de Emenda à Constituição n. º 33/2011, que  buscava alterar a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condicionava o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submetia ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.  

 As ruas brasileiras naquele ano foram laboratórios a céu aberto para os estudos jurídicos. As manifestações de 2013 nos levarão ao impeachment da ex -presidente Dilma Roussef e o traumático governo de Jair Bolsonaro. Naquele ano,  nós mestrandos discorremos monograficamente sobre “o conflito entre órgãos constitucionais“. Agora, retomo àquelas reflexões para esboçar comentários sobre as polêmicas atuas travadas entre o Congresso Nacional, por meio de suas Casas: o Senado e a Câmara dos Deputados e o STF, cujos comportamentos adotados pelo Congresso não sinalizam para uma aceitação das decisões tomadas pela “Corte Constitucional”. 

Ao se estudar a jurisdição constitucional fica evidente o seu propósito de afirmar a supremacia da Constituição por meio do controle de constitucionalidade das normas e dos atos administrativos, inclusive, no tocante às omissões e os descumprimentos de preceitos fundamentais. É assim que o STF tem atuado no julgamento das ações afirmativas; a equiparação do crime de lgbtfobia ao de racismo (mesmo com toda divergência na área jurídica); reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e mais recentemente à inconstitucionalidade da proposta do marco temporal.  

No tocante ao casamento entre as pessoas do mesmo sexo se verifica um posicionamento firme do STF no sentido de reconhecer a união estável entre as pessoas do mesmo sexo, cuja decisão em sede de julgamento de ações concentradas, permitiu ao CNJ determinar que os cartórios do País registrassem os casamentos. Ora, sendo possível a união estável no parâmetro constitucional brasileiro, logicamente, o casamento entre pares semelhantes era também possível.  Assim sendo, aquele maio de 2011, quando o  Plenário do STF, à unanimidade, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres,  entrava para a história brasileira e se confirmava o Estado Democrático de Direito. A união homoafetiva estava elevada à categoria de núcleo familiar.  

Em relação ao marco temporal, o STF tem um entendimento solar ao considerar a inconstitucionalidade do critério temporal para estabelecer a demarcação de terras indígenas. Mesmo assim, o Senado Federal deu continuidade ao projeto de lei que tratava da matéria. Então, após aprovação do projeto de lei pelo Congresso Nacional, coube ao presidente da república ao sancionar a nova legislação estabelecer vetos em parte do projeto normativo, cujo novel marco regulatório trazia em seu bojo a ideia de que a demarcação dos territórios indígenas deveria respeitar apenas a área ocupada pelos povos originários até a data da promulgação da Constituição Federal:  5 de outubro de 1988. 

Portanto, ao Congresso Nacional aprovar o projeto de lei que versa sobre o marco temporal com objetivo de contrariar o entendimento do STF e  quando a Câmara dos Deputados, por meio de uma de suas Comissões, aprova a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, estamos diante de desafios que a Cúpula do Poder Judiciário precisará contornar, assim como ocorreu no clássico julgado Marbury X Madison,  nos EUA, que impactou toda nossa compreensão sobre  julgamentos de controle de constitucionalidade. A República existe em razão dos poderes constituídos e em funcionamento. O Estado Democrático de Direito existe porque as minorias têm minimamente seus direitos assegurados em face da maioria. Como se diz no jargão do cotidiano: “direito nem a mais nem a menos”. 

Efson Lima 

Doutor e mestre em direito/Ufba. Advogado. 

efsonlima@gmail.com