Artigo

Matemáticas

Equacionar tudo. Filtar os compromissos como sendo alheios. Torna-se à margem. Depois esbravejar contra pequenos aborrecimentos. Um encravar de unhas, um chuveiro gotejante. Parecer distante, hóspede do país desconhecido. Maquiar-se diariamente, negar a mesma tez. Guardar réstias de um sorriso, uma paz possível, trancados em cristaleiras de outra vida: o passado.
Infringir profusamente as sete mil regras ir dormir nos braços do dia, mas desperto. Construir uma estética ajustando delicadamente as lentes, misturando como nunca os matizes, dando de comer aos saciados. Acreditar no mistério do tempo, na força do que não existe. Contemplar os bêbados de fim de tarde, desconfiar da regularidade do oficio retilíneo, da obrigação sistêmica. Reacender pavios longos, infância, quando sequer supúnhamos. Enfrentar os ímpios e deixar as muriçocas voando, ceder um taco de sangue. Deslumbrar-se, às vezes, aplaudir quase nunca, emulando alguns entes doutras eras. Ser sereno. Molhar planta. Molhar bico. Lavar homem. Esquecer. Perdoar. Virar bruma. Endividar-se, duvidando enquanto flor, arroz. Enfim, não perder alma, não perder graça, não perder luz.

Que sem luz não há binóculos, nem óculos, nem olho, nem olhar, nem tu. Que sem tu eu não sou nada, arana, gerânio, macaco, pavão. E além de eu-tu. Que sem tu eu não sou nada, arara, gerânio, contratempo, ameaçando-nos à castração maior. Ademais, nada senão lixo virá a nós. Salvo sob as mãos da verdade, as aspas podemos ser. Talvez glória, mas glória passageira; talvez o trivial, mas nunca o simples. Que o puro não é o oco, e o vento não é o ar. Que as almas são o complexo. Se tu, sem plexos, queres, adorando um Deus monocromático, ignorar as flores ao redor da estrada, os córregos os peixinhos dourados, seguir num avante linear e certo: eu sei que o certo é o vago. Quero dormir com plexos e com elas acordar. Que a vida é duas e dois bilhões. Tempo de outra terra. Outras bactérias. Nitrogênio outro.

Há milênios elegemos a mascara, tecemos o fio. Eu construiu Tu, antes de Tu ser verdade em Eu. Tu desenhou Eu, bem antes de Eu virar corpo para Tu. Tu já fora verde e, agora, é arco-íris. Branco Tu: caminho primeiro – Tu construtor. Eu continua verde, do musgo à cana. Talvez. Caminho segundo. Eu enfrentando as expressões mais diversas, as impossibilidades, os conjuntos unitários. Eu querendo o complexo. Matemáticas.