Artigo

Velhos mantras da impunidade…

No final de 2008, em Colombo/ PR, no plenário do tribunal do júri, atuei na defesa de um rapaz acusado de ter praticado no trânsito (com seu veículo Corsa 1.0, ano 99) homicídio doloso eventual.
No processo, antecedendo nossa atuação no júri, um belíssimo trabalho defensivo do doutor Ronaldo Botelho e equipe, percorrendo todas as instâncias, sustentando hercúlea e judiciosamente que era caso, quando muito, de mera culpa. Repelidas as teses defensivas anteriores de não submissão a julgamento pelo júri, os jurados aceitaram, por maioria, nossa tese desclassificatória. Efetivamente, naquele caso, nos convencemos que se tratava de culpa e não de possível dolo eventual como argumentava vigorosamente o MP. Observo que, naqueles autos, sequer se cogitava com hipótese de embriaguez do acusado, nem se tinha qualquer registro técnico de velocidade excessiva ou mesmo uma única multa na CNH do réu. O fato ocorreu fora do perímetro urbano, na “Rodovia da Uva”. Uma testemunha apenas, com relatos que não resistiam a questionamentos lógicos, foi a base para a admissão da acusação e da submissão ao tribunal popular.
Naquele júri a nossa defesa limitou-se a argumentar com o conteúdo dos autos evidenciando que se tratava de autêntico acidente de trânsito. Para não incorrermos em “defesa suicida”, não lançamos mão da ultrapassada teoria onde se afirmava que: “todo evento envolvendo morte no trânsito, de regra, seria acidente ou crime culposo (culpa inconsciente ou consciente)…”.

Isto, felizmente pertence, irreversivelmente, ao passado do direito brasileiro. Basta pesquisar decisões dos Tribunais do RS, SC, PR, SP, RJ, MG, entre outros estaduais e Superiores (STJ e STF), que de longa data rechaçaram os velhos mantras da impunidade dos crimes de trânsito, como se dissessem unanimemente: suposição leviana do agente de que nada de pior aconteceria, ou imprudência, devem ter limites! Ninguém aceita mais ocorrência de desgraças, de inimagináveis montas e, mediante pagamento de “30 sestércios”, que o responsável se livre solto mediante fiança. Tais institutos continuam e continuarão em pleno vigor, dentro dos limites do razoável analisando-se as particularidades de cada causa.

Mesmo na legítima defesa, rainha das teses defensivas em acusações de homicídios, onde o ser humano não age e, sim, reage instintivamente para proteger sua vida e a dos seus, o direito posto discretamente tolera o resultado morte (sem o estimular, dizendo que não há crime), apenas pelo fato de que se for para morrer alguém (inevitavelmente) que seja o agressor.

Nem se pode exigir que uma pessoa sacrifique sua vida para preservar a do causador do problema. No evento culposo, sobrevive o causador que agiu por imprudência, imperícia ou negligência ou mesmo que “supôs levianamente que o fato não iria ocorrer”. Para quem morre, qual a diferença de ter morrido dolosa ou culposamente? Cremos que por isto, entre outras razões, a jurisprudência dos últimos 15 anos se firmou no sentido de remeter os casos para apreciação do tribunal popular que avaliará, dentro da concepção do cidadão comum que é tão dinâmica como os fatos que acontecem em sociedade, se o agente incorreu em dolo eventual ou acidentou-se.
Ninguém, em sã consciência, analisando detidamente caso a caso, tomará uma coisa por outra! Assim, ao invés dos juízos e tribunais dizerem ao tribunal do júri se é ou não de sua competência, como antigamente, este é que dirá…