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Homoafetividade e a nova lei de adoção

No dia 15/07/2009, foi aprovado, no Senado – e seguiu para a sanção presidencial – o Projeto já alcunhado como “Nova Lei de Adoção”, que uniformiza os dispositivos acerca de tal instituto, dispondo, assim, sobre a adoção de crianças e adolescentes em um único instrumento legal, alargando o conceito de família, trazendo inovações e avanços significativos à matéria no Brasil.

Em se tratando de pleito formulado por pessoa solteira, não há dúvida de que, independente de orientação sexual, qualquer cidadão (ã) maior poderá adotar, desde que atendidos todos os requisitos legais previstos para a ação. De acordo com o texto, felizmente, a potencial nova lei federal não obstará a que o Poder Judiciário prossiga no já aberto caminho jurisprudencial de deferimentos de adoções a casais homoafetivos.

Seja por extensão do vínculo de paternidade/maternidade, no curso da ação, ao (à) outro (a) companheiro (a) homossexual – por um já haver deflagrado primeiro o processo -, seja por ambos terem ingressado em conjunto ou terem se submetido, juntos (as), à devida habilitação, caberá ao (à) juiz (íza) da Infância e da Juventude o entendimento de a união homoafetiva, via analogia, ser estável e atender ou não aos requisitos legais, com vistas do deferimento do pleito.

Houve, inclusive, a ponderação, no Congresso, de que a decisão final de colocação de crianças/adolescentes em famílias homoafetivas, em face da nova lei, dependerá do (a) magistrado (a). Não poderia o legislador, nesta oportunidade, traçar caminho diverso, pois incorreria em inconstitucionalidade, caso, no texto do projeto, limitasse o direito de adoção em face de outro direito: a livre orientação afetivo-sexual das pessoas (esse, inclusive, considerado fundamental, personalíssimo pela melhor doutrina constitucionalista, já também amparado pela construção jurisprudencial pátria).

Realmente, caso o projeto seja sancionado pelo Presidente, a nova lei manterá a mesma direção de entendimento que já se extrai da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e do Código Civil (Lei 10.406/2002) quanto à adoção por duas pessoas. Vejamos: “Art. 38 I.

Qualquer pessoa maior de 18 anos pode adotar, obedecidos os requisitos específicos desta Lei. Parágrafo Único – Para adotar em conjunto, é indispensável: I – Que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, hipótese em
que será suficiente que um deles tenha completado 18 anos e comprovada a estabilidade da família.”

Assim, diante a atual ausência de lei federal a regulamentar os efeitos das uniões homossexuais no Brasil, autorizados (as) estarão os (as) magistrados (as) da Infância e da Juventude a continuarem se valendo da analogia como instrumento de integração legislativa (arts. 5º, da LICC e 126, do CPC),
o que conduz à inevitável aplicação da legislação da união estável aos pleitos de pares do mesmo sexo, atribuindo-lhes todo o plexo de direitos familiares – inclusive, para efeito de adoção em conjunto de crianças e adolescentes.

Ao prever, no “caput” do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, o constituinte, rompendo com uma história de verdadeira exclusão constitucional, pôs, pela primeira vez sob a tutela estatal, a entidade familiar, sem dizer, necessariamente, que tipo de família é merecedor de proteção. Se até a Constituição de 1967, a única família albergada pela proteção estatal era a selada pelo casamento, a partir de Lei Maior de 1988, esta realidade foi modificada. Assim, o que delineia, hoje, o que é uma base familiar é a convivência afetiva das pessoas, que deve gerar efeitos na órbita dos Direitos das Famílias, para além deste ou daquele posicionamento ideológico, sociocultural específico ou religioso. É a perspectiva de vida em comum, aliada à convivência respeitosa e afetivamente estável que diferenciam a família dos demais agrupamentos humanos.

Formado por seres humanos que se amam, para além de qualquer restrição discriminatória, determinado grupo familiar já está sob a chancela protetora da nova ordem constitucional, a partir da sistemática do referido artigo 226, em sintonia com a base principiológica da Constituição Federal, que tem na dignidade da pessoa humana o seu eixo central de sustentação.

E a potencial nova lei de adoção, no que tange ao entendimento sobre família, segue a mesma direção constitucional – ampla.

Após a sanção presidencial, caberá, portanto, à sociedade, recepcionar a vindoura Lei e, à melhor doutrina, debruçar-se sobre a mesma, sem as restrições da literalidade ou do preconceito limitante.

Neste sentido, esperamos que tal diploma seja interpretado à luz da Lei Maior e dos seus princípios, de modo a atender aos superiores interesses das crianças e adolescentes excluídos e, enfim, de forma a vir ao encontro dos anseios de todos os segmentos populacionais envolvidos.

Tudo dependerá de quem o decodificará e o aplicará. Eis mais um desafio posto.