Artigo

Gustavo Haun por ele mesmo

Gustavo entrevistador: Gostaria de começar perguntando qual a pergunta irrespondível.

Gustavo entrevistado – Não sei. Talvez a que não foi feita… Entretanto, o que vale dizer é que muitas vezes a resposta não é o mais importante. Devemos viver muito mais intensamente as perguntas: saber fazê-las certas, é fundamental; e vivê-las profundamente, é inadiável.

G: Se Rilke lhe perguntasse o mesmo que disse em cartas ao jovem sr. Kappus (“Investigue o motivo que o manda escrever; (…); confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?”), o que você responderia?

G – Hoje eu não conseguiria viver tão facilmente se me fosse vedada a escrita. Eu sou sim forçado, impulsionado, a escrever. Não conseguiria viver sem expor meus pensamentos, sem rabiscar meus ódios, sem mostrar meus desamores, meus sonhos e minhas ilusões! Também tem sido razoável a minha produção, tanto em poesia, como em prosa. Se eu parasse acho que enlouqueceria.

G: E para que serve escrever, Gustavo? Qual o sentido disso?

G – Essa é pergunta complexa, com vários vieses. Cada um tem o seu processo criativo, seus porquês, seus métodos.
Para mim, serve para recriar mundos, reviver as minhas emoções, sentir novamente os sentimentos por que passei, trabalhar a linguagem. Uma forma de desabafo também em relação ao mundo.

G: Qual gênero lhe dá mais prazer em escrever?
G – Com certeza o poema. É incrível a construção de um poema, o jogo lingüístico, a fragmentação, a trucagem, a bricolagem, as técnicas emprestadas. Realmente eu fico feliz quando escrevo um poema do qual eu gosto. Sim, porque eu escrevo em primeiro lugar para mim mesmo, para eu achar bonito, para me satisfazer, para me recompor enquanto ser inacabado ainda em construção ou em construção permanente!

G: Você pensa em algum leitor ou interlocutor específico quando escreve?
G – Não penso em um, especificamente, penso em vários! Imagino pessoas que irão ler, que irão se chocar, que não irão entender, que irão gostar ou odiar. Isso dá incentivo, ânimo, para escrever! Apesar de não ser recíproca essa troca, não recebo nenhuma manifestação do que falo em jornais e sites. Enfim, não saberia fazê-lo sem ter para quê, ou sem ter para quem, mesmo parecendo que estou pregando no deserto.

G: Interessante. Do que você não gosta em literatura ou no meio literário?
G – Eu não suporto regionalismos, poemas amorosos superficiais, romances sem densidades dos personagens. Também não gosto de rixas poéticas que existem por ai, principalmente em âmbito acadêmico ou pessoas que se auto-promovem ou que ficam aporrinhando pedindo para a gente fazer resenha do livro dele, etc… Odeio manuais de estética e teorias (embora os leia, mas evito-os!), prefiro ir direto ao texto literário propriamente dito, como ensinava Borges!

G: Quais os seus escritores favoritos?
G – São tantos, impossível enumerá-los. Alguns na rosa que eu gosto são Garcia Marques, Victor Hugo, Rubem Fonseca, Helio Pólvora, Clarice Lispector, o incrível Eça de Queirós, Machado de Assis, tantos…
Na poesia gosto de Rilke que você citou acima, de Castro Alves, de Bandeira, de Drummond, dos russos, de alguns beats, como Ginsberg e Kerouac.
Como não falar de Tolstoi, de Cervantes ou de Shakespeare… São leituras imprescindíveis. Tem também Guimarães Rosa, Neruda, João Cabral, Dante, Pessoa… Enfim, uma infinidade que já são cânones, outros nem tanto, mas que se devem ler.
Sem falar da Filosofia, leitura obrigatória para abrir a mente, às vezes acho-a mais importante do que a própria Literatura.

G: Você também escreve crônicas…
G – Exato, gosto bastante desse gênero também.
Adoro o Rubem Braga e as crônicas da Eneida, do Ledo Ivo, do Paulo Mendes Campos, do Otto Lara, entre outros. São formas artísticas pessoais fáceis de escrever sobre o dia-a-dia, sobre reflexões, sobre fatos, sobre o acaso que se torna poesia.

G: O que falta a você como escritor (frustrado) que é?
G – Falta eu publicar os meus livros, óbvio. Primeiro eu gostaria de lançar um livro de poemas, já preparei todo o material, inclusive já conversei com dois editores muito entusiasmados; depois eu gostaria de trazer à lume um livro de contos e, por fim, as crônicas, as já publicadas em jornais e sites, e as impublicáveis.

G: Técnica ou dom?
G – Acredito piamente que sem os dois não se caminha para lugar algum. Poeta não se faz do nada, poeta se nasce e se treina. Tanto é necessário para o poeta o domínio das técnicas para composição de um texto, como também de certo dom que ele traga n’alma para criar belos textos. Existem milhares de “escrevinhadores” por aí, e que nunca leram A Poética, de Aristóteles, nunca leram um Antonio Cândido, um Mário Faustino ou um Otávio Paz, e se intitulam poetas. Quando a gente vai ler é uma mediocridade e um Deus nos acuda.

G: Acredita num mundo melhor ou pior com os poetas?
G – Não faz parte da poesia, portanto dos poetas, apontar maniqueísmos do tipo bem ou mal, certo ou errado. Assim como Platão expulsou os mesmos da sua República, muitos outros, como Aristóteles e Horácio, restituíram o devido valor e respeito a esse ser tão comum como qualquer outro ser, a única diferença é que ele põe no papel o que lhe vem à memória, com um estilo próprio, criando mitos, inventando linguagens, etc.

G: O que mais lhe incomoda no mundo?
G – A mentira, a falsidade, a ingratidão, a traição. Tudo isso são coisas que estamos predispostos até mesmo a cometer, mas que devemos evitar, para a construção de um mundo mais humano, como seres que trabalham com o intelecto e que, logo, existem, como bem ponderou Nietzsche, contradizendo Descartes.