Artigo

Pseudo Divã

Não sei por que diabos isso acontecia comigo. Não sei por que infernos algumas pessoas me tomavam como ouvinte de suas queixas, desabafando suas dores, seus traumas, suas infelicidades conjugais.

Não sei que tipo de confiança passo para os outros. Até parece que eu tenho alguma dignidade ou cara de anjo. Eu, muitas vezes por curiosidade, deixavame levar e assumia esse esquisito papel.

A verdade é que essas pessoas precisam encontrar a cobaia certa, no momento oportuno, para o seu bote.

E, que tristeza medonha, às vezes eu era (sou!) servido numa bandeja de prata, com uma suculenta maçã na boca. Nessas horas, exerço toda minha força freudyunguiana, do alto da montanha das minhas mentiras (e quantas não foram as minhas trapaças!), transparecendo ser o sabedor dos abismos íntimos.

Cheguei a pensar um dia em cursar Psicologia para me aprofundar. Parecia que eu realmente tinha algum dom para a coisa, mas não deu. Virei professor.

Dessa vez ouvia no “divã” uma amiga (não revelarei o nome por questões éticas), coitada, com um relacionamento complicado. Diria esquizofrênico. Ela relatava durante horas toda a psicopatia passional e eu ia absorvendo aquelas loucuras: hora me identificando na difícil narrativa, hora demonstrando pavor dos instantes amargurados que eram relatados.

Sempre me perguntando como é que fui parar ali. Os caminhos que me levam nem mesmo eu sei como trilhá-los ou como forjá-los.

Ele, o tal que permanecerá anônimo também, machista até a medula, aparentemente só queria dar uma “comidinha” (relatou-me depois em conversa), pois nunca a assumiu. Mas as mulheres – ah, as mulheres! – sempre têm que romantizar as performances sexuais do seu macho! O conflito vinha daí.

O garanhão é o que posso chamar de sexólatra. Aquele sujeito viciado em sexo. Aquele que não pode sentir o cheiro doce que emana de uma fêmea. O aroma infantil que exala dos cabelos perfumosos.

É bom que se diga, para evitarmos pensamentos dúbios, como é difícil resistir às tentações femininas! Pois bem, a história do “brabo” se parecia com esses mitos de caminhoneiros que ouvimos. Em cada parada um rabo de saia, uma família (aos quinze já era pai, hoje aos trinta e tantos já tem quatro filhos e dois, que eu sei, foram abortados… Tudo isso com mulheres diferentes, óbvio!).

E o desespero da minha amiga-quase-cliente-do-pseudo-divã ia crescendo.
Ela tecia as suas agruras, com mistos de sofrimento e masoquismo; escárnio e paixão; desilusão e esperança. O pior de tudo é que foram trabalhar juntos. Foi então que o pau quebrou de vez, pois mais próximo dele, ficou sabendo de coisas cabeludas, raspadas, franjadas.
É ou era um típico relacionamento baseado única e exclusivamente no tesão, tão em voga nas últimas décadas. Pelo menos da parte masculina. O papel que coube a mim foi cumprido quando conversava com o digníssimo e tentava amenizar o problema entre os dois: – Essas mulheres são fodas… só porque estamos dando uma metidinha acha que temos um relacionamento com elas!

Confidenciou-me.
O fim de tudo, para encurtar, foi a demissão dela do trabalho porque não se aguentavam mais. Brigas. Uma cobrança obsessiva, cigarros atrás de cigarros, cada olhar pesava uma tonelada no coração da minha amiga. Parecia que ia arrancar um pedaço mais ou menos adivinhado.

O telefone toca aqui em casa. O desespero do outro lado da linha. Quer arcar um encontro para desabafar (que profissionalmente seria uma consulta!) no dia seguinte. Necessitava conversar.

Lembrou-se de mim, o único a quem contava todas as coisas. Ele acabara de telefonar para a casa dela prometendo ir até lá à noitinha (na verdade levar o dinheiro do último mês trabalhado!). Mas, novamente as mulheres com seu senso de sentimentalizar as coisas da vida. Entrar de véu e grinalda pela nave enfeitada, tendo o seu príncipe ardente empunhando uma linda espada de prata no altar…

E a vida prossegue como um bailado frouxo de carnaval. A piedade é a única coisa que me resta no coração. Igual ao casal amigo, vejo muitos por aí. Não sei mais deles, do que está ocorrendo no momento.
Fiz-me ocupado nos últimos dias para evitar fortuitos encontros. Essas histórias mexem comigo. Escrevendo com duras penas a vida alheia, a emoção do outro, os sentimentos vividos por outrem, não posso deixar de sentir a grande distância que separa o mundo do amor puro, do amor cúmplice.

Aquele tão sonhado e tão pouco praticado nos dias atuais.

Tudo na existência se resume ao fingimento, à aparência – mesmo que plastificada -, ao disse-me-disse, à angústia de não ser perfeito e na insatisfação de viver num terreno tão sujo e cruel, cheio de fugas inventadas pelos mortais, simples e pobres mortais!