Artigo

Castração Química de pedófilos. Proteção Integral versus Dignidade da Pessoa Humana

No último mês de setembro a revista feminina Marie Clarie, nº 222, veiculou uma reportagem fantástica sobre uma mulher que tivera três filhas do seu próprio pai, antes de completar 22 anos, tendo sido abusada sexualmente por ele desde os 6 (seis) anos de idade. Óbvio que a admirabilidade da matéria não está na transcrição de uma história triste e sôfrega como esta, mas em trazer a baila um debate que há algum tempo clama por maior amplitude: como tratar a pedofilia?

Inúmeros estudiosos sejam da Psicologia, da Psiquiatria Forense, da Medicina ou do Direito, debruçam-se sobre os fatores biológicos e conjunturais que possam desencadear ou influenciar a prática de atos sexuais abusivos, em particular, contra crianças e adolescentes. E, apesar de existirem diversos elementos indicativos, uma coisa é certa: não há consenso sobre a melhor forma de encarar a pedofilia ?se patologia, desajuste social ou anomalia sexual? e, por conseqüência lógica, de como melhor recriminá-la.

Há poucos dias assistimos à prisão em flagrante de um estudante do 4º ano de Medicina da UFBA, surpreendido no momento em que praticava atos de abuso sexual contra três garotos (entre 8 e 11 anos) na casa de veraneio de sua família em Arembepe-BA. Suspeita-se que outras crianças de ambos os sexos foram vitimadas pelo universitário, que fora transferido para o Hospital de Custódia e Tratamento até a conclusão dos exames sobre a sua (in)sanidade mental.

Pois bem. É nesse contexto de dados alarmantes sobre a pedofilia no país, praticada em maior escala pelos parentes próximos da criança ou adolescente, (em geral pais, tios, padrastros ou outros que possuam relação de convivência e autoridade), que surge o interesse pela discussão sobre a chamada “castração química” ou “hormonal”, que já foi tema de projetos de lei reiteradamente rejeitados pelo Congresso.

Feita por meio da aplicação de hormônios femininos a castração inibe a libido masculina, atenuando os efeitos da testosterona ?hormônio responsável pelo desejo e ereção?, gerando uma espécie de “impotência temporária”. Por essa singela descrição já deu para perceber porque tantas vozes se levantam contra tal medida?

Para muitos, tratar-se-ia de uma punição cruel e, por isso, inconstitucional (art.5º, LXVII, “e”, CF/88), além de violadora dos direitos humanos. Ademais, os resultados e os efeitos colaterais pelo uso prolongado ainda não estão bem definidos.

Entretanto, àqueles que defendem tal medida como alternativa para os pedófilos réus primários (para os quais o tratamento seria uma opção), já que para os reincidentes a castração química seria obrigatória, os resultados obtidos pelos países que já adotam esse sistema, a exemplo dos Estados Unidos, mostram dados animadores: apenas 5% dos que receberam as injeções voltaram a cometer delitos semelhantes, contra 70% dos que foram apenas encarcerados.

Em consonância, pesa o argumento de que a castração química possibilitaria ao sujeito submetido ao tratamento o retorno ao convívio social.

Evidente que o projeto de lei é polêmico, prevendo um contínuo acompanhamento ao apenado. De mais a mais, estudos continuam a ser desenvolvidos e técnicas menos invasivas já vêm sendo testadas.

Oportunamente, fui questionada pela brilhante jurista Maria de Lourdes Melo nesse sentido: “E se o ato de pedofilia for praticado por uma mulher? Também adotar-se-á uma forma de castração hormonal?”. Interessante, não? Pois é. A castração terá efeitos apenas sob o criminoso do sexo masculino, o que geraria uma imensa distorção no sistema com um tratamento desigual não permitido por lei.

Neste ponto ao qual chegamos, gostaria de abordar um tópico da hermenêutica constitucional bastante conhecido: a ponderação de princípios. Ou seja, no embate entre a “proteção integral da criança e do adolescente” e a “dignidade da pessoa humana”, qual dos dois deverá prevalecer?

A mim parece que e a dignidade da pessoa humana ?qualquer que seja ela?, a priori, deverá preponderar no exame dessa questão. Seja pelo status adquirido pela dignidade na ordem jurídica de “sobreprincípio”, seja pela tendência moderna de repelir qualquer forma de violência contra o ser humano.

Mas, uma coisa tem me preocupado nesta e em outras questões de cunho criminal: a de que estejamos tão imbuídos nessa missão de garantia dos direitos do criminoso que, deixemos em segundo plano os direitos humanos do sujeito vitimizado e de sua família.

Ao que me parece, ultrapassamos um período consentâneo à Constituição de 1988 de intensa produção legislativa, garantindo maior atenção aos setores sociais que mereciam especial tutela Estatal. Após, iniciamos um período de forte atuação jurisprudencial de adequação das regras aos princípios, passando a privilegiar estes últimos na efetivação da justiça.

Não posso negar que esse tema desencadeia em mim uma inquietação acadêmica, ao imaginar que possamos vir a entrar em uma fase na qual seja preciso revalorizar as posições dos sujeitos em conflito, de tanto que passamos a super-proteger o criminoso e a relegar a vítima à um status de conformação com a mazela experimentada.

Acredito que sim: devemos garantir os direitos inerentes à TODA pessoa humana, que o sistema penitenciário do país deve ser bruscamente reformado (o qual, diga-se de passagem, já é por demais cruel) e, que patologias devem ser apropriadamente tratadas. Contudo, nem só críticas, nem só elogios: “dê-se a César, o que é de César”.