Artigo

Memórias

Pareceu-me conveniente escrever ainda jovem minhas memórias. Tinha certa idade quando “Carlos” me falou que, já velho, o tempo roubara-lhe da mente certas nostalgias e detalhes importantes. Por isso empenhei-me em pegar minha pena e desenhar minha vida, o que vivi e um pouco mais dos vinte e um anos, que ainda não tive de fato, mas que serão minhas memórias. Aqui começo: vinte e um anos e nove meses de espera para ver a luz (verdade que ainda tento clarear o meu dia). Aos nove anos pensei que poderia ser uma grande escritora. Troquei minhas bonecas por livros, papel e caneta. Iniciei a saga. Aos doze anos minha primeira paixão. Como eram puros os olhares, as mãos, os sorrisos. Aos quinze anos o que seria o meu primeiro beijo.
Faltou-me a essência dos doze anos. Depois nos anos seguintes meu primeiro amor, melhor, aos dezesseis pensei ter achado meu primeiro amor. Aos dezoito anos meu quase primeiro amor, aos vinte e um vejo que ainda procuro meu primeiro amor. Mas ainda posso falar dos vinte e três, dos trinta, da minha chegada aos quarenta… Aí sim, com meu primeiro amor e dois filhos, não mais que isso. Aos sessenta e poucos anos encerro minhas memórias. Não quero viver muito, apenas o suficiente para poder “contar meus filhos, caminhar nos trilhos e limpar as ruas em que vou seguir”. Tempo em aprendi amarrar os cadarços, conheci lugares, aprendi a ouvir os pássaros e terminei meu doutorado; aquilo que faz a gente sentir-se importante. Mas é certo que quando deito minha cabeça para dormir não carrego esse titulo. Agora acho pertinente encerrar minhas memórias. Detive-me em várias páginas para escrevê-la, verdade que fui omissa em algumas coisas, afinal, não quero mostrar muito meus defeitos. Em outros pontos fui até um pouco ufanista. O importante é que ainda tem o leve cheiro “das coisas verdes”. Uma certa riqueza de minúcias que o tempo me roubaria. Quanto aos outros anos que virão, me esforçarei para cumprir minhas “memórias”.