Artigo

Predestinação Precoce

Nascido a 7 de dezembro de 1909, Orlando Gomes viveu na capital baiana e dela nunca se ausentou, por maiores tentações e melhores perspectivas de êxito e fortuna, intransigentemente colado no privilégio de tê-la como berço e lar. Nela cresceu, sedimentou sua cultura através de incessante amor ao estudo, inteligência e vida metódica até alcançar o estrelato do excepcional cultor da ciência do Direito.

Percebeu muito cedo a presença de novas exigências econômicas e sociais que lhe suscitaram também novas diretrizes para elaboração e aplicação da ciência jurídica. No Colégio Nossa Senhora da Vitória, iniciou sua carreira de leitor, através dos livros da coleção F.T.D. e das orações do ritual católico, sendo uns e outros dos seus textos por ele largamente memorizados. Muito assíduo e atencioso aos deveres do colégio religioso iniciou os estudos como aluno laureado, desde o curso primário e secundário realizado no colégio dos Maristas.

A verdade é que não lhe foi possível evitar a influência religiosa em razão dos próprios dogmas dessa escola. Viveu ele nessa primeira fase da infância e da adolescência num ambiente fundamentalmente de ensino religioso. A precocidade já estava como aluno destacado da turma. Inevitável a fixação do espírito dele dos ensinamentos religiosos inerentes a um colégio católico. Adolescente más já dotado de espírito forte e lúcido. Cresceu na exuberância de pensamento jurídico fecundo, sem preconceito e sem prevenções, porque sempre a serviço do saber jurídico. Lia e comentava e elogiava as “Encíclicas Papais”, notadamente sobre doutrina social da igreja. A ciência e a religião não se hostilizam porque se destinam a um subjetivismo inevitável nas relações humanas. Ele tinha uma fina sensibilidade cristã escondida na algidez do seu temperamento. Preparou-se para o vestibular de direito e se houve com o brilho próprio da precocidade. Assimilou com rapidez o ensinamento filosófico do professor Edgard Ribeiro Sanches. Influenciou incisivamente na carreira do jovem discípulo Orlando Gomes de tal modo a torná-lo um jurista possuidor de um pensamento realista sobre o Direito. Com 21 anos estava diplomado. Já com 23 anos inscreveu-se no concurso para catedrático de Introdução à Ciência do Direito com a famosa tese “Estado e o Indivíduo”.

A partir desse livro, firmou-se defensor de um avançado socialismo, a adentrar a posição de um materialismo histórico e dialético. Já tinha recebido elogio do livro “O Voto Universitário”.

Ainda nessa idade se houve com rasgados encômios no Primeiro Congresso Brasileiro de Sociologia. Foi exaltado como catedrático mais jovem do país, cuja idade se confundia com a de muitos alunos, quando não mais moço que outros tantos. Tomou conhecimento das solicitações intelectuais mais fecunda do mundo jurídico. Bastante cedo, voltado aos labores da vida, em todas suas atividades intelectuais, sua constante preocupação o livro, o estudo e o direito. Ainda bem jovem inscreveu-se no concurso para catedrático de Direito Civil, com a tese “Convenção Coletiva”, era um instrumento jurídico recentemente fabricado, com a finalidade de oferecer solução pacífica à questão social. Começava a vida de profissional do Direito por onde os mais talentosos costumavam terminá-la.

Nessa produção intelectual precoce, eis que, já no amadurecimento de jovem, publica excelente obra “A Crise do Direito”. A humanização do Direito Privado não é mais que o eco de necessidades que se debatem e entrechocam, neste período angustioso que a humanidade atravessa. Preconizava auspiciosamente o movimento renovador da codificação.

A partir daí não parou de produzir e editar notáveis obras jurídicas notadamente no território do Direito Civil. Consciente do seu porvir, confiante na sua missão histórica da sua predestinação de ser bem sucedido nas exuberantes aspirações mundo jurídico. É de rejubilar-se quando se está com a verdade, que é uma relação de conformidade de conhecimento e a coisa conhecida. Aí está a razão de ser do refulgir perenemente a estrela do Mestre Orlando Gomes, como ponto de referência no firmamento jurídico nacional. Homenageia-se o nome e a memória de quem, precocemente, na inquietude própria da idade, fez voto de obstinado estudioso da ciência do direito. O passado, sobretudo resplandecente, não é para ser olvidado, ignorado ou destruído, mas para ser reeditado, porque o tempo, sob qualquer aspecto, marca todas as atividades humanas.

Seja qual for, porém, a concepção filosófica ou jurídica, a verdade é que o tempo deve se encontrar como valor supremo da realidade.