Artigo

Família Homoafetiva (Parte 1)

Notório avanço o Poder Judiciário brasileiro vir reconhecendo o afeto como o lastro de existência e de sustentação das uniões entre pessoas do mesmo sexo; motivo pelo qual as ações afetas a tais relacionamentos, cada vez mais, tramitam nas Varas de Família – que são, de fato, as competentes para a apreciação de tais demandas, assim como o são as da Infância e da Juventude para o processamento das adoções de crianças e adolescentes. E a esteira jurídico-teórica do reconhecimento familiar das uniões homossexuais é a mesma que vem possibilitando o deferimento de pedidos de colocação de infantes em famílias substitutas bi-parentais homoafetivas: a analogia (art. 4ª da LICC; art. 126 do CPC) com o instituto da união estável que, à luz da principiologia constitucional – especialmente da dignidade humana e da igualdade -, presta-se a estender os mesmos efeitos jurídicos às relações afetivas entre pessoas de sexo idêntico, vez que, não havendo, por ora, lei que regulamente tais relações no país, a lacuna pode e deve ser suprida – para que o Judiciário não chancele uma série de injustiças.

Por este viés interpretativo, em março de 2008, caminhou acertadamente (assim como já o fizera o TJ-RS e o TJ-MG, por exemplo) o Tribunal de Justiça de São Paulo, através de sua Oitava Câmara de Direito Privado – Apelação Cível nº 552.574-4/4, Voto nº. 15.894.

O juiz de primeiro grau havia declarado extinto o processo, alegando a impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união estável homoafetiva com dissolução por morte de companheiro c/c partilha de bens – ação movida por F.A.D.V. em face de A.D.G., falecido. Inconformado, o autor apelou, justificando ter havido cerceamento de defesa. Demonstrou, por meio do seu advogado, a clara base jurisprudencial brasileira que já vem reconhecendo a união estável também entre homossexuais, atestando-lhe o caráter familiar e determinando que os feitos sejam processados nas Varas de Família. Da relevante decisão do TJSP, participaram os Desembargadores Silvio Marques Neto, Joaquim Garcia e cujo Relator foi o Dr. Caetano Lagrasta: “Indeferimento da inicial. Reconhecimento de união estável homoafetiva. Pedido juridicamente possível. Vara de Família. Competência. Sentença de extinção afastada. Recurso Provido para determinar o prosseguimento do feito”.

Na mesma esteira, conforme entendimento anterior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (maio de 2007), através da Des. Heloísa Combat, Relatora do Acórdão no Processo nº. 1.0024.06.930324-6/001(1), “à união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”. Realmente, “a parceria homossexual merece reconhecimento e tratamento perante o FORO DE FAMÍLIA, tanto pela semelhança do fato que faz gerar a coabitação – o afeto -, quanto pelas consequencias que, desta coabitação, podem advir” – conforme se posicionou, em decisão referente a sucessão e partilha de bens, a magistrada baiana Maria das Graças Hamilton (processo nº. 05.780.139-2, 14ª Vara de Família da Comarca de Salvador-Ba). (CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO)