Artigo

Passaporte espanhol

– Ô, Milena, se o sexo entre a gente fosse um filme, qual seria?
– Sei lá, Bruno… um bem ótimo. E com sexo.
– E Sua Mãe Também, por exemplo.
– Eles têm ejaculação precoce.
– Mas o filme é excelente, e o sexo é bem filmado.
– Mas eles têm ejaculação precoce. Não gosto de coelhos. Pelo menos não da velocidade publicitária deles.
– Prefere a Coca, não é?, questiona ele, cujas mãos desenham um objeto aparentemente simétrico, e que só eles dois sabem exatamente o que é.
– Não, Diário Proibido não me inspira, responde Milena. E, se for pra chegar àquele nível, que seja com Johnnie Walker. Mais bem afeiçoado…
– E ainda existe quem fale em sexo frágil…
– Mas o Johnnie Walker é justamente pros dias de fragilidade, da frigidez. Pros dias inspirados, eu abuso do Passport.
– Você tá falando sério?
– Tô.
– Você tá de brincadeira…
– Tô…
– Você tá me achando com cara de idiota, não tá, sua vadia?, pensa Bruno, enquanto diz: você tá me sacaneando não tá, Mi?
– Lógico, abestalhado; você nunca viu uma garrafa de Passport?, é o pensamento dela, que responde:
tô sim, Bu. É sério, eu tô de brincadeira.
– Você tá mais dissimulada do que Catherine Tramell…
– Olhaí, nosso filme poderia ser Instinto Selvagem.
– Ah, não, ele é muito lugar comum, quase um
dogma de como filmar ousadia.
– Mas ela e ele juntos são incomparáveis. Como se não bastasse tudo ali, Michael Douglas é viciado em sexo, e Sharon Stone, além de exalar o bendito sexo, ainda tem Q.I. de gênio.
– Eu já acho que eles são incomparáveis mais por causa de Paul Verhoeven. Fala sério, em 1973 ele filmou Louca Paixão, e mais de 40 anos depois ele lança um A Espiã. Queria que ele fosse meu avô.
– E eu queria que ele fosse meu amante.
– Agora você tá de brincadeira…
– E você aprendendo…
– Aprendendo, mas ainda não no auge… eu seria,
então, Antoine Doinel em Domicílio Conjugal?
– Com você me traindo e a gente ficando sem sexo? Não, obrigado…
– Então a gente estaria em Beijos Proibidos, dois anos antes – sem casar, ok?!
– Não, Bruno, desista. Você não é Antoine Doinel – e nem Truffaut. A gente tá falando de filmes
com sexo, não sobre relacionamentos. O assunto é a droga, não o efeito colateral dela.
– Então a gente tem que vir pra Verhoeven. Ou para um dos espanhóis.
– Não se esqueça do óbvio ululante – os franceses…
– Desse jeito, a gente sempre vai descobrir alguém de algum país que sabe filmar sexo. E, convenhamos, nós somos ótimos na coisa – nós temos Carlos Reichenbach!
– Não, eu fico com meu cinema burguês, merci.
– Mas Carlão é diferente. Ele não faz esses filmes constrangedoramente panfletários, ele apenas pega a política como desculpa pra fazer o cinema dele. E ainda consegue ir do popular ao erudito com a naturalidade e o prazer de quem toma uma cerveja gelada depois de correr na orla. Ou de ficar uma hora e meia no ônibus pra casa.
– Mas a persona dele não me agrada. Fim. Sobem os créditos…
– Nossa, a gente vai brigar, é a vontade de Bruno, que se limita a dizer: faz sentido, mas acho que quase todos os filmes dele merecem uma revisão sua.
– E a gente merece um filme decente para definir nossa indecência.
– Já sei, diz o serelepe pobre coitado.
– Qual?
– As Idades de Lulu!
– Do que me lembro, o filme é muito bom, e o sexo deliciosamente pervertido… agora, pensando bem, apesar de coerente com o título, o resultado é ultra moralista. Não gostei. Você tá de brincadeira, não tá?!
– Tô…
– Fala sério…
– Eu falei sério…
– Você que tá de sacanagem, agora…
– É bom, não é?!
– Filho da puta, murmura ela consigo mesma, para dizer, segurando o riso: acho melhor a gente parar…
– E chegar à conclusão de que nosso sexo é infilmável e sem precedentes…
– Nossa… Eu não sei o que foi maior, se o elogio ou a pretensão…
– E importa?
– Não…
Eles param de falar.

Falsa Loura
Bruno e Milena roubaram seus nomes de personagens – nem tão principais – do ótimo Falsa Loura (2007), um dos principais de Carlos Reichenbach. O
mesmo Carlão que – para me restringir à sua fase mais recente e acessível – também já fez, nos anos 2000, Garotas do ABC (2003). Ah se todo cinema
político fosse assim…

Luna
Muita gente fala (com justiça) de Julio Medem e Pedro Almodóvar quando vem à tona a sensualidade em tela grande, mas pouca gente lembra do também espanhol Bigas Luna, cuja carreira mais inconstante talvez contribua para um certo esquecimento. Ainda assim, impossível não elogiar seu As Idades de Lulu (1990) – e também um Jamón Jamón (1992), e toda sua breguice, com a então adolescente Penélope Cruz. Diário Proibido, do (assim como Luna) também catalão Christian Molina, é outro bom exemplo do tesão na tela – embora, definitivamente, o mesmo não se possa dizer do roteiro.

Verhoeven
Poderia passar mais algumas boas páginas recordando de gente com tino para filmar a libido [cada
um com seu jeito e sua (in)coerência dentro do filme], mas – para não falar de E Sua Mãe Também – é sempre bom lembrar do holandês Paul Verhoeven.
Que já fez algumas extravagâncias por vezes nem tão positivamente memoráveis, mas que também já nos brindou com, entre outras coisas, Louca Paixão (1973), A Espiã (2006) e Instinto Selvagem (1992). Bom garoto esse Verhoeven.