Artigo

Família Homoafetiva (Final)

O próprio Superior Tribunal de Justiça, em matéria de reconhecimento de direito previdenciário e de assistência médica por exemplo, já corrobora esta base jurisprudencial, como são exemplos os seguintes julgados: “A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica”. (Resp 238.715/ RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.03.2006, DJ 02.10.2006, p. 263) / “Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali, gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva”. (REsp 395.904/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 13.12.2005, DJ 06.02.2006, p. 365).

Em setembro de 2008, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, por 3 votos a 2, abriu precedente para que as ações de reconhecimento de união estável entre homossexuais não sejam obstadas sob a alegação de impossibilidade jurídica do pedido. O agrônomo brasileiro A. C. S. e o seu companheiro canadense B. J. T ingressaram com ação de reconhecimento da sua união afetivo familiar (ostensiva, contínua e que já durava quase 20 anos) perante a 4ª Vara de Família da comarca de São Gonçalo-RJ.

Negado o pedido e extinto o processo, sob a alegação de impossibilidade jurídica do pedido, o casal recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mas esse ratificou a decisão de primeiro grau (sob a posição de não haver previsão legal para tal reconhecimento na legislação pátria). Almejando a obtenção do visto permanente do companheiro canadense para que ambos pudessem residir definitivamente no Brasil, o referido casal não desistiu e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Esse, através da sensibilidade dos Ministros Pádua Ribeiro (Relator), Luís Salomão e Massami Uyeda, firmou, ao contrário, o entendimento de que há a possibilidade jurídica de apreciação do pedido e de que, apesar de não ter adentrado no mérito da ação, essa deveria ser retomada para a devida e necessária apreciação pela Justiça fluminense – uma vez que não existe óbice, no ordenamento jurídico nacional, quanto ao reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Continuará importando isto: ao prever, no caput do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, o constituinte, rompendo com uma história de verdadeira exclusão constitucional, pôs, pela primeira vez sob a tutela estatal, a entidade familiar, sem dizer, necessariamente, que tipo de família é merecedor de proteção.

Se até a Constituição de 1967, a única família albergada pela proteção estatal era a selada pelo casamento, a partir de Lei Maior de 1988, esta realidade foi modificada.

Assim, o que delineia, hoje, o que é uma base familiar é a convivência afetiva das pessoas, que deve gerar efeitos na órbita do Direito das Famílias, para além deste ou daquele posicionamento ideológico, sócio-cultural específico ou religioso. É a perspectiva de vida em comum, aliada à convivência respeitosa e afetivamente estável que diferenciam a família dos demais agrupamentos humanos.

Assim, formado por seres humanos que se amam, para além de qualquer restrição discriminatória, determinado grupo familiar já está sob a chancela protetora da nova ordem constitucional, a partir da sistemática do referido artigo 226, em sintonia com a base principiológica da Constituição Federal, que tem na dignidade da pessoa humana o seu eixo central de sustentação.

O que se descortina em matéria de reconhecimento do AMOR em face do Poder Judiciário brasileiro, a partir das posições que esse vem tomando (ainda convivendo com atávicos preconceitos), aponta a direção mais bonita: a que independe de qualquer condição para que tal sentimento seja, efetivamente, atestado em toda sua inteireza e nas implicações que traz na vida relacional-familiar das pessoas -para além de cor, sexo, orientação afetivosexual, nuanças de gênero… Conjugar, no exercício da existência concreta, o verbo AMAR persistirá justificando a formação de uma família, qualquer que seja essa.

Realmente, para enxergar a família, é preciso enxergar o amor. Se não se identifica afeto, não se vê família. Por isso, continuo ratificando e ecoando o cancioneiro: “Eu vejo a vida melhor no futuro. Eu vejo isso por cima do muro de hipocrisia que insiste em nos rodear”.