Artigo

O ouro do berço

Nada como nascer numa cidade do interior para já se chegar ao mundo com o pé direito. Não importando nem a classe social, pois nascer numa pequena comunidade sempre é uma verdadeira festa.

Uma farra começa com os preparativos e assim também acontece quando alguém está para chegar numa pequena comunidade, não existindo tanta preocupação se o rebento vai ter o que comer, ou se ele vai ter uma educação decente, o que importa mesmo é que ele está para chegar, seja para alegrar a casa, trazer paz e harmonia ou mais um braço para trabalhar. Existe todo um ritual seguido para a grande chegada e é incrível como tanta gente participa.

Uma arma o berço, outra borda os lençóis, outro vai plantar e colher frutas frescas, sem esquecer daquela que fica tão encantada que passa a escrever poesias.

Enfim, o importante é que cada um faz o que sabe para colaborar na arrumação.
À medida que o dia vai se aproximando, as conversas giram em função de um tema principal: menino ou menina? A dúvida é motivo para outra festa, só que esta num estilo mais informal, só para bater papo, saber se o enxoval é azul, rosa ou amarelo, fazer apostas, etc.

– Será que o pai vai querer que seja menino de novo?

No meio da discussão, aparece a empregada ou a vizinha já prevendo que pelo formato da barriga, não vai dar outra, senão, menina.

– Ora, onde já se viu menino nascer de uma barriga tão redonda, barriga de homem é pontuda!
A conversa não para por aí, pois tem que escolher os prováveis nomes e nesta hora vale tudo. Uns trazem a revista que saiu com o significado de alguns nomes, outra só pensa no nome do galã da novela das oito e tem um que fica tentando inventar um nome, de preferência um que comece com a sílaba inicial do pai e termine com a sílaba final da mãe ou vice-versa, mas no final a decisão é quase sempre a mesma, vai se chamar Júnior ou Neto.

Passam os enjôos, todos devidamente tratados com chás das mais variadas receitas, pois ninguém resiste a recomendar uma receita de família que é tiro e queda, mas o que resolve mesmo é aquela fatia de torta de tapioca que só a Dona Ritinha sabe fazer. Puro dengo!

Também, quem é que não gosta? Só tenho dúvida se o mais gostoso é o dengo ou a fatia de torta tão desejada que sem ela o rebento possa até nascer deformado.

Você vai querer arriscar? Chegam às dores e o corre-corre também e não sei quem fica mais nervoso: o pai ou a mãe. É a hora de mostrar que mulher é o sexo mais forte e o pai para não se fazer de rogado, bota a maior banca, depois começa a revirar os olhos e desmaia em plena sala. Só que a esta altura, já chegou toda a vizinhança e um ajuda a carregar a mala do hospital, que já estava pronta há três meses e o outro levanta o pai do chão com cheiro forte de cachaça.

Na maternidade, as parteiras se aprontam, enquanto se espera o médico chegar do biriba e na hora “H”, as beatas rezam para todos os santos e o marido mais os amigos aliviam a tensão na mesa do bar.

Parece que todos estão parindo! – É macho! Grita o Doutor todo satisfeito e neste mesmo momento, o pai aparece mal conseguindo ficar de pé, mas com um sorriso que deixaria qualquer dentista orgulhoso pela prótese reluzente.

– Tem o saco roxo, Doutor?
Este, sem a menor cerimônia, graceja: – Mais que roxo, homem, é quase preto.
Este guri é macho para nenhum cabra colocar defeito! Nesta noite, quase ninguém dorme. A mãe com a criança chorando a noite toda, preocupada porque o leite ainda não desceu e a sogra repetindo que ela devia ter ouvido os seus conselhos, pois Malzebier sempre encheu os peitos de qualquer mãe de leite. O pai já fazendo os planos para o futuro do menino, garante logo que o filho vai ser Doutor, mas se não der, ele poderá também ajudar com os serviços na roça que será muito bem vindo.

A vizinhança se encarrega de espalhar a boa nova pelos quatro cantos da cidade, sendo que mal amanhece e a maternidade já tem fila de espera para o povo conhecer Júnior. Você tinha alguma dúvida? Na mesinha de cabeceira o diário do bebê não para de ser rabiscado e junto aos parabéns e elogios paira no ar uma nova discussão: Júnior parece mais com o pai ou com mãe? A sogra jura de pé junto que Júnior é igualzinho ao filho quando ele veio ao mundo e acaba a novela. E, depois que a página dos presentes já não tem mais espaço para nenhuma assinatura, só resta um comentário geral: – Com tanto mimo, é uma criança de sorte. Isto que é verdadeiramente nascer em berço de ouro!