Artigo

De novo e enfim

– E então é ano novo…
– O que não quer dizer nada.
– Década nova…
– Há controvérsias.
– O que também não quer dizer nada.
– Concordo.
– Uma retrospectiva?
– Não, obrigado. Deixa isso pra os doentes por lista.
– Como você…
– Como leitor. Eles perdem dias, semanas, pensando nas possíveis injustiças e esquecimentos, fazendo e refazendo os top-10. Mais prático, eu vejo e revejo os filmes. Em menos de um minuto, depois, leio a lista deles.
– Faz sentido.
– Não precisa.
– Mas a lista dos melhores de 2009…
– Você sabe encher o saco, viu.
– Obrigado.
– O melhor de 2009 é Noite Americana, de 1973.
– Truffaut é sempre bom.
– Diferente de fazer listas.
– E de Avatar.
– Avatar é uma enganação que tenta, e geralmente consegue, ser bem disfarçada.
– Enfim consegui trazer você para 2009.
– Com um filme como Avatar, depois de a gente falar em Noite Americana. Definitivamente, você não é meu amigo.
– Não sou seu amigo, sou seu leitor.
– Falar sozinho, às vezes, é uma delícia.
– Delícia é Crash, de Cronenberg.
– Que, se eu citar na coluna, tenho que falar em David Cronenberg e, graças à obsessão de tradutores brasileiros pelo didatismo, tenho que falar em Crash – Estranhos Prazeres.
– Então você concorda.
– Lindamente.
– Enfim…
– Mas concordar pode ser um porre.
– Geralmente é um porre. Quando sua opinião já está feita, embora não necessariamente imutável, é perder tempo ouvindo seu alter-ego ilegítimo, sem ter a certeza de que o concordar é honesto ou não. Ou seja, é tempo desperdiçado com a repetição do nada sempre duvidoso.
– Faz sentido.
– Discorde de mim, por favor.
– Mas eu não discordo.
– Diário de Sintra é um filmaço.
– Aí eu discordo.
– Graças a Deus.
– Mas muita gente gosta-barra-respeita.
– E eu respeito eles, como respeito Paula Gaitán, por ter ficado ao lado de Glauber Rocha no fim da vida dele. Mas aquilo poderia ser um bom curta se não fosse contaminado pela vídeo-arte que ela tanto gosta. Brevíssimo silêncio, o mesmo retoma.
– E se você disser que faz sentido, vou embora. Nada de réplica, o monólogo continua.
– Ok, sem extremismos. Eu vou sair porque preciso escrever ok.
– Que desculpa mais esfarrapada.
– Ah, é natal, fim de ano e férias. Pelo menos para os outros, que não vão me ler – obviamente. Isto é, na prática, aqui sou eu publicizando minhas divagações. – Mas pode acabar com elas, pra não descer o nível.
– É verdade. Lá vou eu.
– Cya, bitch.
– Cya.
Deus comenta: vocês já foram menos preguiçosos.