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Responsabilidade civil no contrato de transporte de pessoas: Transporte puramente gratuito. (PARTE FINAL)

Baseado nessas premissas, Sérgio Cavalieri Filho, assevera que “a melhor doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido de reconhecer a responsabilidade objetiva ao transportador, fundada na teoria do risco”.

Dito isso, ocorrido algum acidente (conduta do transportador) que lesionou o passageiro/viajante (dano), estará configurada a responsabilidade objetiva do transportador, tendo em vista a aplicação do CDC e a incidência da teoria do risco, únicos institutos compatíveis com a cláusula de incolumidade e segurança, implícita no contrato de transporte.

Entrementes, quando falamos em transporte puramente gratuito, vulgarmente denominado de carona, não será aplicado as normas do contrato de transporte propriamente dito.

É o que reza o art. 736 do Código Civil de 2002 assevera: “não se subordina as normas do contrato de transporte o feito gratuitamente, por amizade ou cortesia”.

Dessarte, na dicção do preceptivo legal alhures mencionado, puramente gratuito é o transporte que é feito no exclusivo interesse do transportado, por mera cortesia ou amizade do transportador.

Neste caso, havendo acidente e dano causado ao tomador da carona, a doutrina majoritária aponta para aplicação das regras da responsabilidade aquiliana ou extracontratual.

Isso quer dizer que o juiz, deverá, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002, apurar a culpa (em sentido lato) do condutor para efeito de impor-lhe a obrigação de indenizar o passageiro/viajante.

Aliás, o STJ já tem um posicionamento firmado quanto a esta questão, o qual se encontra exteriorizado pela Súmula 145, in verbis: “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.

Contudo, esse entendimento é rechaçado pelos mestres Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Para esses renomados civilistas, essa Súmula deve ser repensada, “sobretudo pelo fato de o novo Código Civil não estabelecer essa restrição”.

Noutro vértice, há autores que consideram o transporte puramente gratuito em um contrato atípico. Outros entendem tratar-se de um contrato benéfico, em que o transportador, a quem o contrato não favorece, em caso de inadimplemento responde somente por dolo, nos moldes do art. 392 do Código Civil de 2002.

Na realidade, quando alguém transporta outrem por mera cortesia, não tem a menor intenção de solenizar um contrato. As circunstâncias que envolvem o fato não caracterizam uma relação negocial, nem configuram vínculo jurídico convencional. Há simples e tão somente ato de liberalidade.

Dessa forma, a solução jurídica mais equânime, à evidência, é a aplicação dos princípios da responsabilidade aquiliana ao ilícito decorrente do transporte puramente gratuito, posto que este não configura, na espécie, contrato de transporte, tampouco contrato benéfico passível de enquadramento previsto no art. 392 do Código Civil de 2002.

Portanto, o transporte puramente gratuito não deve ser encarado como um negócio jurídico, e sim como ato de simples liberalidade por parte do transportador/condutor do veículo.

Dessa forma, o motorista que oferece uma carona a um amigo, e momento depois o veículo tomba ou colide com outro, só poderá ser compelido a indenizar os danos causados se for comprovada sua conduta dolosa ou culposa, aplicando-se, in casu, as regras da responsabilidade civil aquiliana.