Artigo

A Caixa de pandora do processo penal (Parte 1)

Consta da mitologia que Zeus e seus irmãos passaram a disputar o poder com a geração dos Titãs. Prometeu era visto como seu inimigo e como uma verdadeira ameaça ao seu reinado. Sendo assim, para castigar os mortais, Zeus privou o homem do fogo (luz na alma)… Prometeu, então, furtou uma centelha do fogo celeste e a trouxe à terra para reanimar os homens.

Ao descobrir tais fatos, Zeus decidiu punir tanto o ladrão quanto os beneficiados pelo furto. Prometeu foi acorrentado a uma coluna e uma águia devorava seu fígado durante o dia.

Para castigar o homem, Zeus ordenou a Hefesto que modelasse uma mulher semelhante às deusas imortais e que tivesse vários dons. Zeus enviou Pandora como presente a Epimeteu, o qual, esquecendo-se da recomendação de Prometeu (seu irmão) de que nunca recebesse um presente de Zeus, ainda assim, o aceitou.

Quando Pandora, por curiosidade, abriu a caixa que trouxera do Olimpo como presente de casamento ao marido, da referida caixa fugiram todas as calamidades e desgraças que até hoje atormentam os homens. Pandora ainda tentou fechar a caixa, mas era tarde demais: ela estava vazia, com a exceção da “esperança” que permaneceu presa junto à borda da caixa.

Todos esses fatos narrados na mitologia me fizeram lembrar o processo penal, mais precisamente o inquérito policial.

Pode até parecer estranho a priori, e uma pergunta poderia ser feita pelos imediatistas mais curiosos: que relação existe entre a mitologia e o processo penal?

Não podemos esquecer que a origem de todos os males foi a curiosidade. Aliás, o homem foi punido com a expulsão do Jardim do Édem por ser curioso e comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal…

Entretanto, a relação entre a caixa de Pandora da mitologia e o inquérito policial se mostra nítida quando analisamos sua natureza jurídica. Como se sabe, é uma peça meramente informativa e que apenas deve servir de fundamento para a propositura da ação penal, nada mais.

Sua finalidade é a busca, por meio de diligências, dos indícios de autoria e da prova da materialidade delitiva. Por ser um procedimento pré-processual, a colheita da prova não se sujeita ao contraditório e à ampla defesa, daí a origem de todos os males como na caixa de Pandora.

Se a prova não é colhida por meio do contraditório e da ampla defesa, por sua natureza sigilosa e investigativa, essa prova é maculada pela inquisitoriedade do inquérito, em flagrante contradição ao sistema acusatório.

Eis a relação do inquérito com os males da caixa de Pandora. Por “males” devemos entender as provas produzidas sem o crivo do contraditório e o prestígio ao sistema inquisitivo, sem o respeito às garantias previstas em nossa Carta Política.

Assim, qualquer contato do magistrado com os “males da caixa de Pandora”, aqui entendida como a prova produzida no inquérito policial, será prejudicial ao julgamento do mérito da ação principal, pois estaremos vivendo um ressurgimento do sistema inquisitivo que poderá ser estendido até o momento da sentença, quando em verdade, deveria ter sido “cremado”, depois do oferecimento da denúncia.