Artigo

A Castração química e os Princípios Constitucionais

A discussão sobre a aplicação de uma pena peculiar àqueles que cometem crimes contra a liberdade sexual, especialmente os delitos praticados contra crianças e os que envolvem motivações de ordem sexual, vem crescendo no cenário brasileiro após o Projeto de Lei n. 552/07 de autoria do Senador Gerson Camata (PMDB-ES).

Tal projeto visa acrescentar o art. 216-B ao Código Penal Brasileiro, cominando pena de castração química ao autor dos crimes tipificados nos artigos 213, 214, 218 e 224, todos do diploma repressivo substantivo (respectivamente estupro, atentado violento ao pudor, corrupção de menores), quando considerado pedófilo.

A priori, faz-se mister aludir sobre o conceito de castração química: “consiste na aplicação de injeções hormonais inibidoras do apetite sexual, aplicadas nos testículos, conduzindo o condenado à impotência couendi – impotência para o ato sexual – em caráter definitivo, isto é, irreversível. Um tratamento alternativo, cuja aplicação deve ser renovada periodicamente, também conduz, em poucos anos, à irreversibilidade dos efeitos’’.

Embora alguns países como Estados Unidos, França e Espanha tenham implantado tal pena alternativa, a realidade do ordenamento jurídico brasileiro, principalmente à luz dos princípios constitucionais, permite afirmar que é improcedente a discussão sobre a castração química por se tratar de um projeto de lei inconstitucional. Além da Constituição de 1988 proibir determinadas penas (como as de caráter perpétuo, as cruéis, penas de morte, de banimento, de trabalhos forçados, desumanas e degradantes), é defeso tal imputação dessa pena também em alguns tratados internacionais de Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário.

Percebe-se uma flagrante violação dos princípios constitucionais previstos nos arts. 5º, XLIX (que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral); Arts. 38 e 40 (no qual reafirma que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral); dignidade humana; da proporcionalidade (depreendese que o poder judiciário também precisa evitar que excessos prejudiquem a aplicação da lei no caso concreto. Deve atuar com ponderação, de forma racional, para que jamais retire do sujeito, direitos que lhe são inerentes).

Nada obstante, além de questões éticas e debates de inbconstitucionalidade da temática abordada, estudos médicos comprovam efeitos colaterais de tal ‘pena’. A castração química pode aumentar a pressão arterial em indivíduos do sexo masculino, causar ginecomastia e formação de depósitos anormais de gordura no fígado. O uso de Depo-Provera, droga usada no tratamento, pode causar também aumento de peso, fadiga, trombose, hipertensão, leve depressão, hipoglicemia e raras mudanças em enzimas hepáticas.

Outro ‘efeito colateral’ relevante é o perigo da Estado de Exceção, na acepção que tal expressão consiste na subtração de uma situação da regra geral por adequação de uma regra; ou seja, mesmo que a castração seja inconstitucional, deve ser adequada por sua suposta finalidade.

Em suma, pela relevância da matéria ou da gravidade das situações em apreço, as quais estariam a justificar, “in casu”, a não declaração de inconstitucionalidade, sendo que, numa “ponderação” de bens em conflito, prevaleceria a “segurança social” que inspiraria a lei.

Vale ressaltar que tal fato geraria uma insegurança jurídica. A Constituição deixaria de ser rígida, passando a caracterizar-se como uma Constituição flexível, isto é, modificável por simples lei ordinária, que acarretaria na impossibilidade de controle de constitucionalidade das leis, cujo pressuposto lógico é a rigidez constitucional, devendo ser extirpado o próprio Supremo Tribunal Federal, por ‘inútil doravante’. Já que vale a exceção, seria justa a amputação da mão para os que cometem atos de improbidade administrativa.

Nota-se que se for seguir a justificativa da relevância da matéria, para cada verba desviada e conseqüentes óbitos por falta de condições básicas à sobrevivência, um político deveria ter sua integridade física violada.

Este é o caminho que se abre por propostas inconstitucionais e tendentes a copiar o que há de pior em sistemas penais estrangeiros, ‘tais como o law and order, a tolerância zero e outras tendências totalitárias e voltadas a um direito penal máximo, ilimitado e com características medievais’. Entretanto, alguns doutrinadores oferecem uma terceira via à discussão.

A alternativa que respeitaria os direitos constitucionais do condenado e colaboraria com a diminuição dos crimes sexuais seria transformar a castração química em um direito; o preso poderia optar pela liberdade em troca do tratamento, que cumpriria, segundo os doutrinadores que defendem tal posicionamento, a função da pena de ressocialização do condenado e a prevenção geral de crimes.