Artigo

A Caixa de pandora do processo penal (Parte Final)

Deve-se excluir, por óbvio, a prova antecipada que não se pode repetir na fase processual. Muitas provas, pela urgência, devem ser colhidas de imediato e a prova antecipada é uma delas. Aqui não há problema, pois o contraditório é real. O mesmo fundamento é utilizado na análise da prova cautelar, entretanto, com maior prudência, pois em casos que tais, admite-se o contraditório diferido.

As demais provas colhidas no inquérito policial nem sequer devem ser lidas pelo juiz para que não seja contaminado com “os males da caixa”. Na visão de Aury Lopes Jr ., o inquérito deve desentranhado do processo, enquanto isso não se efetiva, os magistrados não devem ler o inquérito policial: “Enquanto não tivermos essa exclusão física, aos juízes conscientes só lhes resta fazer o seguinte: não ler o inquérito e, por decorrência lógica, não valorá-lo na sentença (nem mesmo a título de ‘cotejando’). Mas, sublinhe-se, o mais importante é: juízes, não leiam os autos do inquérito, julguem a partir da prova colhida em contraditório”.

A idéia do Professor Aury Lopes Jr., pode ser metaforicamente resumida na seguinte expressão: “juízes não abram a caixa de Pandora do processo penal”, nem mesmo com o objetivo de buscar esclarecimentos ou dirimir qualquer dúvida.

Esse é um grande risco. No momento em que o magistrado busca dirimir suas dúvidas com base nos elementos da “caixa de Pandora”, restará contaminado e acabará decidindo com base no sistema inquisitório.

Ora, se o sistema acusatório prestigia o “in dúbio pro reo” ao dirimir sua dúvida com base no inquérito, o magistrado acaba restringindo tal garantia e julgando com base no sistema inquisitivo. Devemos ir além… Se por um motivo ou outro o Magistrado tiver contato com o inquérito policial deve declara-se suspeito para julgar o feito. Somente assim poderemos falar em imparcialidade, em isenção no julgamento do mérito da causa.

Isso é mais grave no Tribunal do Júri tendo em vista que os jurados não fundamentam suas decisões, julgam pelo “sentire” pelo que consegue perceber o nervo óptico, pela percepção dos sentidos. Em que pese a firmeza de tal argumento, é comum a leitura de peças do inquérito policial, principalmente pelo Ministério Público que busca a qualquer custo e desesperadamente confirmar sua “tese acusatória”, que neste momento deveria chamar-se “tese inquisitória”.

O Magistrado prudente deveria esclarecer que qualquer referência ou leitura de peças do inquérito em plenário ensejaria a nulidade do Júri, pois os jurados estariam, de igual forma, contaminados com os “males da caixa de Pandora”.

E por que nada disso acontece na prática?
Por que as desgraças da caixa de Pandora continuam a trazer calamidades para a ação penal?
Acho que falta coragem para quebrar paradigmas…
O inquérito policial é a caixa de pandora do processo penal. O magistrado, nem por curiosidade, deve abri-la. Pois se assim o fizer, todas as calamidades que foram produzidas no inquérito, ou seja, toda prova produzida sem o crivo do contraditório será espalhada pelo ar e, de forma virulenta, contaminará o Magistrado.

Ao tentar fechar a caixa, diz a mitologia, Pandora percebeu que caixa estava vazia. Era tarde demais… O mesmo ocorre com o Magistrado que tem contato com inquérito policial, todos os males já estão arraigados, ainda que inconscientemente, e amalgamados em sua alma.

Porém, como diz a lenda: a “esperança” permaneceu presa junto à borda da caixa. A esperança aqui é representada pela consciência do Magistrado em não valorar a prova do inquérito, não deixar contaminar-se com os males da caixa de Pandora do processo penal. Em Voltaire fica o nosso desejo: “Um dia tudo será excelente, eis a nossa esperança; hoje tudo corre pelo melhor, eis a nossa ilusão”.

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1 LOPES JR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3ª. ed. Vol I. Rio de Janeiro, Lumem Juris, 2008, p. 535.