Artigo

A política, o diabo e o voto!

A certa altura de nossas vidas, creio que inevitavelmente, nos perguntamos: mas, afinal, porque é que eu votei nesse canalha, hein? Enfim, como tudo na vida, só mesmo vivendo para aprender. De fato, nunca aprendemos completamente e isso é bom (seria uma chatice a vida sem um aprendizado diário). Claro que certas coisas que aprendemos, ao longo desta nossa breve existência, nos envergonham. Mas, isso também é bom: é um sinal de caráter!

Entretanto, aprendemos coisas boas também e elas sempre nos renovam. Não obstante, quando por vezes fazemos o balanço da nossa aprendizagem política… Humm… Aí a porca torce o rabo. Historicamente temos tido grandes decepções nessa área. Senão vejamos: “E, pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza (Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sextafeira, primeiro dia de maio de 1500)”. O escriba deste parágrafo anterior, prezado (a) leitor (a), foi Pero Vaz de Caminha, na Carta que escreveu ao Rei de Portugal D. Manuel I, dando notícias do achamento do Brasil. E, Caminha, assim como quem não quer nada, querendo, no entanto, depois de babá no coração do Rei (ou noutra parte, digamos, menos romântica), pede que liberte seu genro que estava preso na ilha de São Tomé. Consta ser o tal Jorge de Osório, um indivíduo de maus costumes, preso por assalto à mão armada e condenado ao degredo naquela ilha da África. Em outro tempo, mas, no mesmo lado da vil moeda – os dos pedidozinhos políticos –, assistimos, não faz muito tempo, José Sarney, da tribuna do Senado, dizer que “é difícil negar o pedido de uma neta”. Consta que a neta queria um emprego para o namorado… Pago, naturalmente, com os impostos que nós trabalhadores recolhemos aos cofres públicos!

A propósito, Carlos Heitor Cony escreveu uma fábula muito ilustrativa, no que se refere à política. Acompanhe… “Naquela aldeia, todos roubavam de todos, matava-se, fornicava-se, jurava-se em falso, todos caluniavam todos. Horrorizado com os baixos costumes, o frade da aldeia resolveu dar o fora, pegou as sandálias, o bordão e se mandou. Pouco adiante, já fora dos muros da aldeia, encontrou o Diabo encostado numa árvore, chapéu de palha cobrindo seus chifres. Tomava água de côco por um canudinho, na maior sombra e água fresca. O frade ficou admirado: “O que está fazendo aí, nessa boa vida? Eu sempre pensei que você estaria lá na aldeia, infernizando a vida dos outros. Tudo de ruim que anda por lá era obra sua, assim eu pensava até agora. Vejo que estava enganado. Você não quer nada com o trabalho. Além de Diabo, você é um vagabundo!”O Diabo olhou para o frade com pena: “Eu trabalho desde o início dos tempos para desgraçar os homens e confesso que ando cansado. Mas, não tinha outro jeito. Obrigação é obrigação, sempre procurei dar conta do recado. Mas agora, lá na aldeia, o pessoal resolveu se politizar. É partido pra lá, partido pra cá, todos têm razão, denúncias, inquéritos, invocam a ética, a transparência, é um pega-pra-capar generalizado. Eu estava sobrando”. Jogou o côco longe. “Quando entra a política, eu dou o fora, não precisam mais de mim”.

Disse o Diabo, encerrando a conversa. Apesar dos pesares, prezado (a) leitor (a), não há motivos para se desesperar. É preciso apenas estar atento para repelir a ideia, muito comum, de que o Brasil não tem jeito, de que a corrupção é uma fatalidade histórica (herdada dos portugueses) e de que ela nos acompanhará para sempre. Conversa fiada! Não caia nessa história de que política é coisa do Diabo. É o que alguns políticos querem que a gente pense com o propósito de nos afastar das decisões. Afinal, não é tão difícil assim mudar os rumos políticos do nosso país: basta prestar atenção, participar, cobrar, persistir, acompanhar as notícias e principalmente votar com consciência.