Artigo

A domingueira da vida

Domingo é um dia sem dia. É aquela pasmaceira sem cor, sem cheiro, sem som, sem gosto que satisfaça os sentidos. Domingo é o dia do parque, é o dia da macarronada, é o dia do churrasco. Os primos e primas, tios e tias, cunhados e cunhadas, todos reunidos sobre um único estandarte: animar a própria essência da desanimação – o dia de domingo.

Foi no domingo que Deus descansou? É provável, pois o domingo é a tarde cansativa e tediosa que se arrasta do sábado; é o dia típico da preguiça, do bocejo, das ruas desertas, da praia triste em marolas, do filme de locação, do passeio de mãos dadas.

Não se pode ter dores aos domingos. Não se pode ter filhos aos domingos. Não se pode precisar de ninguém aos domingos. Não se pode querer nada aos domingos. O efeito pós-entorpecente deve ser semelhante aos almoços de domingo. No início é aquela empolgação, a turba conversa ruidosa, a epifania do futebol, a política de bastidores, a psicologia de botequim, a vida alheia. A cerveja é degustada como se fosse a última coisa que existisse de importante. A comida vem, os pratos são cheios e esvaziados. E no final, depois de tudo, você se vê sozinho, cheio de sujeira na pia, arrodeado de moscas, cascos da loura ex-gelada espalhados por todo canto, um pardal bicando o resto de farofa no chão imundo e os faustos nos arremedos da babaquice que um dia o criou na telinha. É como a picada ou a cheirada, depois do auge, depois da louca viagem. Nada resta, nada faz sentido, nada existe de real, a não ser a sua doida hipocondria, a sua megalomania, o seu vício, a sua torpe solidão.

O domingo não faz sentido. As novelas não passam no dia de domingo, porque o dia de domingo é uma verdadeira novela. É a encenação do capítulo das nossas existências, cotidianas, estranhas, individuais.

Os outros dias são todos fantásticos, mas no domingo assistimos passar, pasmos, ao fantástico, o show da vida, no televisor colorido, quadrado, telemórfico, videofinaceiro.

Domingo é igual a fim de ano, a fila de banco. É um fim de tarde, é o sol da meia-noite, é um começo desanimador da semana que virá, quem sabe, animadora. Domingo é pé de cachimbo, é pé de tamarindo, é pé de caçador, é pé até de quem não tem pé.

As boas poesias não são feitas aos domingos, os domingos não são poéticos, é verdade que eles são mortais, suicidas, tenebrosos, porém não inspiram. Domingo, na árvore genealógica do criador, é um dia sem para quê, é um bebê órfão, sem consangüinidade, sem história. Os domingos existem por quê?

Para tudo que torna o caminho feliz, o domingo é a mais pura e cômoda infelicidade no fim do túnel. A enfadonha melancolia do que não foi e do que está por vir. E como se não bastasse, o domingo sangra toda semana para nos dizer sábio: domingo é um dia sem dia, porque durante o percurso humano rumo à morte, não há carência e satisfação de muito, nem de pouco, apenas do suficiente.