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Todos os crimes contra a ordem tributária são crimes materiais?

Inicialmente, importa conceituar os crimes materiais e os crimes formais – decorrentes do Direito Penal -, distinguindo-os para, em seguida, verificar se todos os crimes contra a ordem tributária são crimes materiais, finalizando com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, nesse sentido.

Segundo o ilustre Rogério Greco1, crime material “é aquele cuja consumação depende da produção naturalístico de um resultado” e crime formal “é aquele em que o legislador antecipa a consumação ao momento da prática da conduta prevista pelo núcleo do tipo, não se exigindo a produção naturalística do resultado”.

Nesse sentido, assim preleciona Mirabete2, “No crime material há a necessidade de um resultado externo à ação, descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. (…) No crime formal não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo e, que se desenrola a conduta, havendo separação lógica e não cronológica entre conduta e resultado.”

De forma que os crimes formais se consumam com a simples prática da conduta prevista em lei. O resultado, apesar de também ser previsto em lei, é dispensável para a consumação do crime e configura mero exaurimento dele, enquanto que os crimes materiais só se consumam com a efetiva produção do resultado previsto no tipo e efetiva lesão ao bem jurídico protegido, ou seja, exigem a ocorrência de resultado naturalístico, consistente em dano ao fisco.

Os crimes contra ordem tributária estão elencados na Lei nº 8.137/90, divididos da seguinte forma: delitos praticados por particulares (artigos 1º e 2º) contra o erário e delitos praticados por funcionários públicos (artigo 3º) – crime funcional.

As condutas tipificadas no artigo 1º, caput e incisos da Lei nº 8.137/90 são crimes materiais ou de resultado, pois que se consumam quando as condutas nele descritas produzem como resultado a efetiva supressão ou redução do tributo, cuja persecução tem como condição objetiva de punibilidade a constituição definitiva do crédito tributário e o exaurimento da via administrativa, a teor do entendimento do Supremo Tribunal Federal3.

O artigo 2º do mesmo dispositivo legal elenca os crimes designados formais ou de mera conduta4, pois que independe da obtenção de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando, por exemplo, a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, não havendo necessidade de resultado, porque a conduta do agente já o configura, ou seja, o delito se consuma com a simples ação ou omissão típica, sem que se atualize o resultado previsto.

Nesses crimes previstos no artigo 2º, não há necessidade da constituição definitiva do crédito tributário, vez que o resultado lesivo ao erário é apenas indiretamente mencionado, não sendo, pois, essencial à sua consumação.

Assim, o não-esgotamento da via administrativa não é condição de procedibilidade5, existindo, nesse caso, total independência das esferas administrativa e penal.

Por fim, o enunciado da Súmula Vinculante nº 24 do STF, dispõe que: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”. Do que se confirma, que os crimes elencados no art. 1º e seus incisos da Lei nº 8.137/90 são crimes materiais, e somente após a constituição definitiva do crédito é que poderá ser analisada a existência do elemento resultado, imprescindível à consumação do crime material, não podendo, por isso, haver ação penal e, por consequência, condenação.

Consolida-se, assim, a jurisprudência do STF no sentido da não tipificação do crime, enquanto não esgotada a via administrativa (ou seja: enquanto não lançado definitivamente o tributo)6, ao tipo penal a que refere o art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Conclui-se, pelo exposto, que nem todos os crimes contra a ordem tributária são crimes materiais, pois que os elencados no art. 2º do mesmo dispositivo legal são crimes formais, tendo em vista que independem do resultado, bastando, para tanto, a simples conduta do agente prevista em lei, diferentemente, pois, dos elencados no art. 1º, que são crimes materiais, entendimento consolidado pelo STF por meio da Súmula Vinculante nº 24, que somente a eles se aplica.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 28 dez. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/legislação. Acesso em: 19 fev. 2010.

GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. Crimes Tributários: Súmula Vinculante 24 do STF exige exauri mento da via administrativa. Disponível em: http:// www.lfg.com.br. Acesso: 04 março 2010.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 3. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2009. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral, Arts. 1º a 120 do CP. 22 ed. São Paulo: Atlas, 2005.