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Aspectos penais e processuais da lei de falências

Surgiu, no cenário nacional, após ampla discussão nas respectivas casas legislativas, a lei 11.101 de 09 de fevereiro de 2005, largamente conhecida como “a lei de falência”. Entrou em vigor, no dia 09 de junho de 2005, respeitandose o período de 120 dias de vacatio legis, conforme art. 201 da mesma lei e seus efeitos estão sendo sentidos pela grande parte de empresários e operadores do direito.

A primeira dúvida que se apresenta, é se a nova lei alcançará fatos cometidos em períodos anteriores ao dia 09 de junho de 2005. Para responder a tal questionamento temos que analisála em seus aspectos penais e processuais. No que tange à parte penal, aplica-se o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica e da irretroatividade da lex gravior. Assim, podemos analisar o exemplo da prescrição, na medida em que a nova lei altera o prazo que era de dois anos, para os prazos flexíveis do art. 109, quando a prescrição poderá chegar até a 12 anos, tomando por base a pena mais grave dos delitos falimentares analisada em abstrato, o que impediria a retroatividade da lei penal em virtude de ser mais gravosa.

Na parte processual, a nova lei modificou o rito ordinário para o sumário que em tese é mais gravoso, já que tal rito diminui prazos do processo. Porém, a lei nova tem aplicação imediata, ainda que mais gravosa. O réu não adquire o direito de ser julgado pelo rito antigo, embora mais benéfico. Logo, o rito sumário alcançará os processos antigos, atingindo-os de junho para frente, imediatamente, do ponto onde os encontrarem pelo princípio do tempus regit actum esculpido no art. 2º do CPP, desde que, por razões óbvias, não atinja a amplitude de defesa. Superada essa fase introdutória, passemos a analisar algumas mudanças mais significativas. Inicialmente, vale destacar o empenho do legislador ao eliminar o inquérito judicial. Figura esdrúxula do nosso ordenamento, verdadeira ofensa ao sistema acusatório, por ser o juiz da falência responsável pela investigação do suposto delito falimentar bem como, logo em seguida, pelo recebimento da denúncia. Assim, no rito anterior, o juiz investigava (conduzindo o inquérito judicial) e julgava (recebia ou não a denúncia) ferindo princípios da nossa Carta Magna, e somente, ao final, remetia o processo para a vara criminal competente.

A nova lei extingue o inquérito judicial, mas não o inquérito policial que pode ser requisitado pelo órgão do Ministério Público, embora, permaneça dispensável, se a prova da materialidade e indícios de autoria constarem das informações iniciais dos autos.

Outra mudança perceptível diz respeito às sentenças que decretam a falência, concedem a recuperação judicial ou a recuperação extrajudicial.

Na nova redação, passou de condição de procedibilidade, ou seja, de condição para a propositura da ação penal, para condição objetiva de punibilidade, sem a qual o juiz não poderá apenar o suposto acusado, logo não poderá impor uma pena nem privativa de liberdade e nem restritiva de direitos. Estipulou, ainda, a novatio legis, alguns efeitos acessórios à pena privativa de liberdade, tais como a inabilitação para o exercício de atividade empresarial – até mesmo através de procuração – e o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência das empresas.

Observe-se, contudo, que tais efeitos não são automáticos, devendo, sua aplicação ser fundamentada pelo juiz, que deverá expor os motivos para a aplicação daquela pena acessória que somente poderá vigorar por, no máximo, 05 anos após a extinção da punibilidade. Ou seja, a medida acessória somente poderá ser aplicada após o cumprimento da pena principal, durante cinco anos, ressalvado o período da reabilitação.

Em assim sendo, percebe-se que a nova lei de falências trouxe algumas alterações importantes no campo do direito penal e do processo penal. Ora corrigindo equívocos, ora alterando dispositivos inconstitucionais, a nova lei consegue reunir em seu bojo aspectos positivos no combate aos crimes cometidos nos procedimentos falimentares. Nesse contexto, é gratificante constatar mudanças na lei de falências, visando a uma adaptação do direito aos novos tempos, como lembra uma citação de Thomas Jefferson: “A vida é uma renovação contínua e, portanto, é tolo uma sociedade apegar-se a velhas idéias em novos tempos, assim como, é tolo um homem tentar vestir suas roupas de criança”.