Artigo

O silêncio e o som

Às vezes é necessário estar só, mesmo arrodeado de pessoas por todos os lados, embora existam seres humanos que não conseguem ficar sozinhos nem em uma caverna inóspita: carregam sempre para perto de si os seus fantasmas, os seus traumas e as suas lembranças que não conseguem afastar.

É necessário o silêncio, num mundo transformado em polifônico, difuso e estridente, representado metaforicamente por uma carroça vazia, puxada por um animal de tração, e que chia em demasiado. Já quando está carregada de coisas, cheia de conteúdos, passa silenciosamente pelo caminho.

Os sábios são retratados, na maioria dos casos, como sendo pessoas recolhidas, experientes, observadoras e, sobretudo, silenciosas. Nunca falam alto, têm gestos bruscos ou julgam algo sem saber. Não têm vícios, vivem para o estudo e para a meditação. Foi assim, vivendo uma momentânea paz espiritual, que descobri o valor do som e do silêncio. O som é o elo entre os homens, a comunicação na sua perfeita labuta, o interagir e o interligar de mundos próximos e distantes.

O silêncio, por sua vez, é a ligação do ser com ele mesmo. É a entrega interior urgente à elevação da alma, o desabrochar de uma dialética eterna: os vários mundos invisíveis da mente e do coração.

Falar é estritamente preciso, nos momentos oportunos; calar é estritamente adequado, sofisticado. Por isso, sofre menos quem cala mais; vive mais serenamente quem comunga mais com si mesmo, enfim, é mais feliz quem está em paz interna. Certamente, é querido e amado mais quem silencia pontualmente nas horas próprias e impróprias.

As pessoas sensíveis a essa lógica, como os artistas e os filósofos, jorram palavras em profusão num determinado instante efêmero, curto, de tempo, para silenciar na maior parte dele, vivendo seus céus e infernos particulares, que mais tarde os farão verter novamente em folhas brancas suas elucubrações, eternizando-se assim os ciclos do conhecimento humano.

Dessa forma, não mais que de repente, caiu em nossas mãos um filme que me fez rasgar o silêncio, O Informante (1999), um longa-metragem sempre recomendado por amigos, mas sempre adiado por contingências da vida. Essa bela película estrelada por Al Pacino, Russell Crowe e Christopher Plummer relata a máfia que está por trás das grandes empresas de tabaco, assim como das suas ligações espúrias com a política e com os meios de comunicação. É de estarrecer o espírito humano!

Só senti o mesmo nojo do capitalismo ao assistir outro lindo-triste filme, O Jardineiro Fiel (2005), cru e real, este versa sobre a máfia das empresas de medicamentos, numa África pobre e desesperançada.

Quão sórdido e corrupto somos quando lidamos com o dinheiro, com o poder e com o sexo! Os dois longas maquiavélicos, no sentindo amplo desse termo, nos faz aterrissar das nuvens do silêncio, para bufar em alto e bom som as atrocidades cometidas pelo homem: a venda da sua própria alma! A venda da sua dignidade! A venda dos seus princípios!

Logo após essa cachoeira desarrazoada de notas melancólicas, meras verdades expostas em nossa fronte, açoitandonos à descrença de um futuroso porvir, retornamos à serenidade habitual de lago cristalino, arrodeado de montanhas de branco algodão. É bem-vindo o falar – semelhante ao personagem de O Informante, Dr. Jeffrey Wigand (interpretado por Russell Crowe), que denuncia os males do cigarro no momento acertado – como também é sempre bem-vindo o calar, o saber silenciar para lutar o bom combate, sem armas e sem violência, de não perder a fé, mesmo tropeçando em nossas vias-crucis.