Artigo

Rádio atividade na beira de um rio

Todos os dias quando eu corro, eu vejo o tempo passar. Passa o tempo, passam os carros, passam as pessoas, só não passa a vontade de chegar a algum lugar. Lá vem o gari de roupa laranja limpando a sujeira de um povo que prefere jogar o palito de picolé no chão, em vez de guardar no saquinho até encontrar a próxima lixeira ou o próximo “caçuá”.

Será que esse povo não teve educação em casa? Que casa? Será que esse povo não teve educação na escola? Que escola? Esse povo sofrido que mal tem o que comer que revira a lata de lixo para tentar encontrar a sobra do nosso jantar, não pode estar preocupado com noções básicas de higiene e limpeza.

Na capital do cacau, o que importa realmente é o capital, ou como diria o próprio povo, o que vale mesmo é o “fazme rir”. E qual o homem que não abre um sorriso quando encontra a carteira recheada ou um bilhete premiado da mega sena acumulada? Bem amigos, diante de tanta miséria e de tanto desemprego, só mesmo tentando a sorte grande numa casa lotérica para continuar sonhando com uma casa própria, com um carro do ano, com o acesso a boas escolas e com uma grande oportunidade no mercado de trabalho.

Há quem prefira um caminho mais curto, um atalho no qual os votos são comprados, o emprego é apadrinhado, a escola vende o diploma para não precisar ensinar e as contas vão se acumulando, sendo renegociadas, até aparecer uma anistia, que em troca de “pequenos” favores, quita o débito e ainda deixa um crédito para as próximas compras.

Eu continuo correndo com os pés calejados e o suor escorrendo. Aproveito para lembrar a aula da noite passada, do livro que eu li na última madrugada e enquanto eu aguardo consertar a calçada quebrada, aventuro-me pelo meio da rua, com os carros passando, que não param de aumentar. São tantas ofertas irresistíveis e tantos financiamentos a perder de vista que não sei como eu continuo com o meu A-12.

Há doze anos! Nada é fácil para quem decide andar ou correr com os pés no chão. Sempre aparece um conhecido para lembrar que o sol está quente, um amigo para dizer que não sabe onde arrumo tempo para trabalhar, estudar e ainda malhar e surgem também aqueles gaiatos que insistem em falar que o último que seguiu esse caminho, terminou surfando em cima da ponte com roupa de mergulhador.

Deve ser coisa de maluco mesmo, procurar ser ético em um país cercado de corrupção, buscar princípios onde a maioria só está preocupada com os fins. Em muitos momentos me sinto o chato e me deixo levar pela multidão, pois não quero ser sempre o correto. No final, a gente termina aprendendo muito mais com os erros do que com os acertos. Assim, caindo e levantando, aprendi com os ensinamentos de Don Juan de Marco, o conquistador, que qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui vergonha nenhuma quando paramos e percebemos que o melhor é voltar e começar de novo por um rumo melhor.

Entre uma música romântica e um batidão de sucesso, os passos aumentam e as notícias do fim de semana começam a pipocar. No sentido contrário, passam tantas caras conhecidas e tantas figuras anônimas, cada uma com uma história de vida melhor do que a outra, que muitas vezes dá vontade de parar para conversar, mas o importante nesse momento é não perder o foco e seguir em frente.

O sol já esfriou e foi embora e a lua aparece cheia, deixando um rastro prateado nas águas escuras e pálidas do rio. É hora do Brasil, hora de acordar novamente para a realidade. Tem um velho imposto querendo voltar, o movimento dos sem terra também acordou e junto com os novos índios, preparam uma nova invasão e eu aqui parado e cansado meio na contramão, respiro aliviado, com a certeza de que amanhã vai ser outro dia e mesmo que, em muitos momentos, eu tenha que nadar contra a correnteza, ainda assim, eu hei de vencer. Depois comemoraremos juntos aqui, ali, ou onde nós estivermos, pois o melhor lugar do mundo continua sendo o aqui e agora.