Artigo

Memória do que se vai

Mais um ano se vai. 2010 se despede carregado de mudanças. Pela segunda vez na história do Brasil independente uma mulher irá ditar os destinos da nação. A primeira vez em que tal fato ocorreu foi no Império, com a princesa Isabel. Lá, a escravidão foi abolida, aqui esperamos que fatos marcantes também continuem a ser efetuados.

Após oito anos à frente do Estado brasileiro, o presidente Lula se despede do poder. Essa eleição marcou a primeira vez na história da República pós-ditadura militar que ele não foi candidato. Fato interessante, como interessante foi seu governo. Dando continuidade ao que já vinha sendo realizado por FHC, mas indo muito mais além em áreas em que este havia sido tímido ou nulo, Lula provou que mudar o Brasil era possível.

Atentem para a fala nos jornais, nas revistas e jornais. Aquele Brasil excludente, com uma desigualdade social gritante, em que ir ao shopping ou às compras era algo restrito a um pequeno grupo, o Brasil fraco diante de outros países, o país em que produtos eram lançados anos depois da Europa e dos EUA (quando eram), a população preocupada e pensativa. Esse país cedeu lugar a outro mais confiante, mais aberto, seguro de si e sabedor que o presente e o futuro são mais promissores e seguros. Feito agora não mais sob a égide da ditadura e das restrições da liberdade, mas sob forte presença da democracia e da participação da sociedade.

O operário presidente, ignorante e sem cultura, como diziam seus críticos, provou ser um intelectual de peso, na melhor acepção de Gramsci. Provou também que um outro país é possível. Intelectual orgânico esse nordestino efetuou, junto com sua equipe, uma modificação significativa em nossa economia, política e estado.

De Dilma, espera-se continuidade e aprimoramento no que Lula não conseguiu fazer, bem como, nos erros que cometeu. Erros que foram muitos, alguns dos quais graves. 2010 foi também o ano que me despedi de tio Gerson, chamado por mim desde minha infância de Dedé. Talvez pelo personagem da televisão tenha de mim ganhado carinhosamente esse seu outro nome. Tropeiro, comerciante, pequeno fazendeiro, ele foi, na essência um desbravador e pioneiro nas terras do cacau. Exemplo daqueles homens que nasceram na labuta do fruto de ouro, que viveram sob sua égide vivenciando ai sua glória e decadência. Dedé foi um exemplo de pai, de comerciante honesto, cidadão dedicado à sua pequena comunidade de Jacarecy (onde me criei). Depois de oitenta e dois anos, sete dos quais doente e acamado, descansou. Sua morte leva consigo um pedaço fecundo de minha infância, de lembranças e de um tempo e brincadeiras que não mais voltam a não ser na memória e nas recordações. Descanse em paz.