Artigo

Não sou músico nem poeta

Não sou músico. Há muito eu deveria ter escrito essa nota de esclarecimento. Porque muita gente confunde os termos. As definições não são claras, embora pudessem ser. Sou compositor e cantor. Utilizo o instrumento musical apenas como ferramenta para as canções que crio. As melodias normalmente me vêm à cabeça – na maioria das vezes adicionadas às letras, então, preciso ficar cantarolando para não esquecê-las. Só depois vou ao violão e procuro achar os acordes. Por não ser músico, não consigo uma qualidade de composição adequada aos padrões dos sons internos que ouço.

Ocorrem virem sinfonias, arranjos sofisticados e ficam no plano mental, não tenho competência musical para escrevê-los. Nunca quis estudar música, em parte por preguiça e, principalmente, porque não gosto de música. Passo semanas e mais semanas sem ouvir qualquer canção, sem cantar nada. Mesmo assim, as melodias e letras continuam chegando em locais e horários impossíveis.

Para se tornar um músico é preciso muito estudo, de 5 a 8 horas de dedicação diária, por 10, 15, 20 anos, pela vida toda. É uma alienação. Claro que há muita gente por aí executando instrumentos. O Brasil é um país ousado e não tem vergonha de passar vexame. Ser músico é também dom. Eu nunca tive dom para tocar qualquer instrumento, não tenho mãos hábeis, o que constitui requisito básico. Sobretudo, os músicos gostam de música, divertem-se horas a fio inventando coisas, invertendo acordes, desenvolvendo técnicas. Conseguem perceber nuances harmonicas e belezas que me são inatingíveis.

É estranho que eu tenha nascido cantando bem, afinado e com essas canções que me surgem do nada, e por outro lado eu não gosto de música e nem entendo de música. Se possível fosse, eu criaria uma espécie de link entre meus compositores internos e algum bom músico que conseguisse materializar tais criações. Também não sou poeta. Aliás, se existe uma definição difícil é a de poeta. Porque a rigor todo mundo já fez um versinho aqui ou acolá. Porque escrever é terapêutico, é uma catarse, um desabafo. Também não sei direito o que é poesia, sei apenas que eu não faço poesia.

Aliás, se eu não gosto de música, gosto menos ainda de poesia. Sei de outra coisa: os poetas são disparadamente os mais vaidosos dentre todos que se dizem artistas, talvez por saberem que não são artistas. Não gosto de poesia, mas de alguns poetas – não por serem poetas -, é o caso de Fernando Pessoa e Augusto dos Anjos (em ambos, a poesia é antes uma contingência). Se eu quisesse ser poeta nem sei o que teria que fazer, não sei como alguém se torna um poeta. Não sei se é dom, se é técnica, se é vontade. Sei que tudo que leio das pessoas que se dizem poetas me desagrada. Sei também que os poetas lêem uns aos outros e trocam elogios. Acho que eu não tenho sensibilidade musical ou poética. Porque música e poesia têm a ver com forma, construção, remanejo de sons ou palavras (que são sons também). Ao contrário disso, eu não tenho o mínimo cuidado com as letras de música que escrevo.

Do jeito que vem eu deixo. Muitas vezes com pronomes mal utilizados, lugares comuns, sentenças pobres, sem valor literário, melodias vulgares, sem novidades. Porém, como diria o outro, trata-se de mim.

É muito mais fácil reconhecer um músico que um poeta. Quando escutamos Altamiro Carrilho ou Rafael Rabello não há como duvidar da competência, é impossível não gostar. A empatia nesse caso é imediata. com a poesia o mesmo não acontece. É preciso um esforço, um forçamento de barra. Não há empatia, sendo necessária uma mediação, uma intelectualização, uma falácia, uma vaidade. Em síntese, para ser poeta basta dizer, “Sou poeta”.

E acreditar que batatinha quando nasce se esparrama pelo chão. Não sou músico. Não sou poeta. Sou um compositor popular que põe letras nas melodias que cria, por pura incompetência, por pura falta de erudição. Sou um medíocre compositor baiano, vivendo no interior da Bahia, sem acreditar em Deus ou em outras ilusões. Feliz porque o Bahia subiu para a série A.