Artigo

Qual a sua pretensão para o destino da palavra escrita?

Li, acolá, que nas comemorações dos oitenta anos de fundação, em 1931, do New York Times, aquele periódico publicou uma série de artigos em que se faziam previsões sobre o mundo dali a mais 80 anos adiante. Interessante…

Grandes personalidades norte-americanas, da época, escreveram a respeito daqueles então distantes oitenta anos para frente: William James Mayo, um dos fundadores da Clínica Mayo e Arthur Compton, o Nobel de Física, por exemplo. Mayo escreveu que viveríamos muito mais: a expectativa média de vida seria em torno dos 70 anos. (Em 1931 a média era de 50 anos, nos EUA). E Arthur Compton antecipou a expansão global das comunicações. (Algo extraordinário, se pensarmos que em 1931 pouco mais de 25% das famílias (estadunidenses) tinham telefone).

Claro que certas previsões foram verdadeiras bobagens. Por exemplo: a gravadora Decca, em 1962, anunciou não ter interesse pelo som dos Beatles: “Não gostamos do som deles. Além do que, a música de guitarra está saindo de moda”. E Ken Olson, Presidente da Digital Equipment, em 1977 afirmou: “Não existe nenhuma razão para que alguém queira ter um computador em sua casa”.

Afinal, chegamos em 2011 e as previsões continuam. É natural. O homem é assim mesmo: essencialmente angustiado com o porvir. De minha parte angustia- me prever, por exemplo, o destino da palavra escrita daqui a 80 anos! Difícil saber. Difícil ao menos supor, creio. Especialmente agora em que já vivemos a efervescência da imagem e do som instantâneos, imediatos. A palavra escrita tem, pois, os seus dias contados? A palavra escrita será ainda necessária? Que destino se reservará para a palavra escrita no “futuro”?

Não vou aqui me estender sobre as múltiplas razões culturais a respeito do afastamento, na vida das pessoas, da palavra escrita (da leitura). Detenhome, por isso, em alguns dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que, talvez, possam ajudar a entender alguma coisa: “O brasileiro ainda se queixa da falta de tempo (para ler ou participar de alguma atividade cultural), mas, os números mostram que, caso dispusessem de mais tempo, não optariam por atividades culturais”. Se tivessem mais tempo, os entrevistados disseram que procurariam, em primeiro lugar, fazer cursos (33,3%), seguido de práticas esportivas (16,1%); não fazer nada (15,1%); cuidar dos filhos, da família e da casa (13%).

Ainda segundo o IPEA, a realização de atividades mais próximas das práticas culturais como estudar, pesquisar e ler foi indicado por apenas 9,9% dos entrevistados; e frequentar espaços culturais e de lazer, por 7,7%. Por fim, a opção de praticar atividades artísticas foi apontada por 3,6%. Contudo, algumas atividades culturais foram bem cotadas: “78% afirmaram assistir televisão ou DVD todos os dias. Música é outra prática bem disseminada: “58,8% afirmaram que ouvem música diariamente”. A frequência é menor para teatro, circo e shows: “59,2% disseram nunca ir e 25,6% afirmaram ir raramente. E apenas 4,2% visitam museus e centros culturais pelo menos uma vez por mês”.

Entretanto, apesar dos dados estatísticos do IPEA, que servem apenas como um ponto parcial de interpretação da “realidade”, de fato, o que me trouxe até aqui foi o destino da palavra escrita. Assim, movido pela pura impulsividade do que leio e escrevo, “encontrei-me” com Fernando Pessoa. E foi esse gênio da palavra escrita que, formidavelmente, iluminou os caminhos que as voltas imensas das minhas palavras, também escritas, não conseguiam clarear, decifrar. Disse o grande poeta: “A palavra falada é imediata, local e geral. A palavra escrita é mediata, longínqua e particular.

Quando escrevemos, e tanto mais quanto melhor e mais cuidadosamente escrevemos, dirigimo-nos a quem não nos vai ouvir, (…). Em resumo, a palavra falada é um fenômeno social, a escrita é um fenômeno cultural. São diferentes em substância: são, pois, forçosamente diferentes os seus respectivos meios e fins. A palavra escrita, ao contrário, não é para quem a ouve, busca quem a ouça; escolhe quem a entenda, e não se subordina a quem a escolhe.

Na palavra escrita tem tudo que estar explicado, pois o leitor não pode nos interromper com o pedido de que nos expliquemos melhor”. Bem, já faz muito tempo que a palavra escrita, antes rabiscada no papel, agora digitada e impressa, habita meu coração e minha mente. Penso/sinto não haver mais volta para esse meu destino. Li em algum lugar que “escrever é pensar com as mãos”.

E trago comigo a sensação de que pensar, habitualmente, é ser livre. Livre não apenas no sentido restrito da palavra liberdade, mas, no sentido amplo de sentirse livre.

Enfim, que será do mundo, da vida, de nós, da palavra escrita nos próximos 80 anos? Sei não. E enquanto procuro pela “resposta” sinto-me feliz de sonhar e pensar que a palavra escrita leva o mundo numa folha de papel… E você: qual a sua previsão para o destino da palavra escrita?