Artigo

Um sabor azedo-doce

O Brasil foi forjado pelas frutas. Em nenhum outro país do mundo elas exerceram e exercem tanto fascínio quanto nas terras tropicais brasileiras. Cana, café, laranja, cacau, acerola, açaí… são tantas e de tão variados sabores que a gente acaba por se perder diante dessa quantidade infindável de delícias.

Não lembro bem se foi Jorge Amado quem disse que nós habitantes das terras do cacau tínhamos o visgo dessa fruta entranhada em nosso ser. Ela penetrava profundamente em nossa alma de modo que, para nós moradores grapiúnas, somente em terras do cacau sentíamos como nós mesmo. Confesso que assim sou: entranhando até a alma com o gosto e o sabor do cacau. No entanto, outro sabor ajudou a forma meu caráter e identidade. Um azedo-doce delicado e forte, estranho ao paladar dos não iniciados, com cheiro e cores tão característicos. Refiro-me aqui ao umbu. Fruta típica do sertão nordestino.

Na sombra do umbuzeiro, com galhos frondosos e folhas que resistem à mais renhida seca, senta-se o sertanejo e nas épocas devidas colhe no chão (pois umbu doce somente aquele que já caiu) a fruta tão pequena, com um sabor que fascina. Mas fascinante ainda é a cidade em que, na maioria dos anos de minha vida, passei férias e vivi boas aventuras. Chama-se Uauá, cidade do sertão com um povo batalhador – pois como já salientara Euclides da Cunha: “o sertanejo é antes de tudo um forte”. Se o nome é um pouco engraçado e com sonoridade estranha quando ouvido pela primeira vez, sua gente e sua cultura são belas e corteses.

Em Uauá, entre dezembro a fevereiro, vivenciei brincadeiras e descobertas sobre o sertão, ao lado de meu primo Zezinho. Anos depois, com cada um já crescido e ele trabalhando em outra cidade, redescubro a alegria e felicidade do contato com minhas duas primas: Verbena e Margarete. Em todos esses anos o que nunca mudou foi o carinho e a generosidade de minha tia Margarida e meu tio Zé. Em sua casa encontrei um espaço para deliciar os sabores do sertão: carne de bode – seca e frita, com seu cheiro e gosto tão delicado; fígado, fatada, costela, tudo de bode, como é tão ao meu gosto. Sob o balido do bode e seu berro relembro de minha infância.

O que também não faltava era a cervejinha sempre gelada, um pão delicioso (como jamais provei igual em nenhum outro lugar do país). Feijão com gostinho caseiro, um calorzinho bom e umas muriçocas um tanto quanto atentadas. Na gente de Uauá, sertaneja, católica, cordial, trabalhadora e alegre encontro aqueles elementos tão presentes na cultura nordestina. Do homem e da mulher do campo que esperam em Deus tempos melhores, aproveitam quanto as coisas estão boas, sofrem e resignam-se quando estão ruins.

Em Uauá o forró é forte. Curte-se o mês de junho inteiro. O Reizado é algo ainda presente. Passar a tardinha sentado na porta de casa é algo corriqueiro.Tempo que passa, vida que segue. Pessoas que caminham ali, cada uma com sua história, seu jeito, seus sonhos. Casas construídas com o suor do trabalho. Encanta-me nessa cidade ver sempre lares amplos e confortáveis, tão diferentes das casas apertadas e pouco arejadas de nossa Região. Casas com garagens, quintal, dois a quatro quartos, todas de telha de cerâmica. Nessas visualizações fica a certeza da riqueza e da força do sertanejo como já afirmava Os Sertões.