Artigo

A sinceridade de um noivo

(São Paulo) Ainda aqui, na terceira maior cidade do mundo, onde devo permanecer mais alguns dias, aboletado no bairro Morumbi, distante trezentos metros da cobertura onde mora Pelé (e suas 10 garagens…), imediações do Palácio do Governo Estadual, confesso grande alegria ao “inaugurar” mais esta coluna em minha sexagenária carreira no jornalismo. Embora escrevente calejado, parece-me sentir um pouco daquele nervosismo que todos experimentamos nos longínquos tempos da infância ao pisar pela primeira vez na escola…

Quando nomeado para o cargo de Juiz de Paz, disseram-me que essa função resumia-se à celebração de casamentos, porém examinando a Constituição do Estado da Bahia (Art.131, Seção VII, Dos Juizados Especiais) percebi ser uma das vertentes do cargo atuar no campo das conciliações entre partes litigantes, que além do grande sentido de cunho social contribuía para evitar proliferação de demandas judiciais causadoras de congestionamento da máquina forense. Logo criei um calendário para audiências, contemplando em dias separados casamentos e conciliações. Sobre acontecências interessantes dignas de compor o folclore humano de nossa terra, doravante cuidarei de relatar algumas aos queridos quasenenhum leitores. Incurável amante de história que sou, em cinco cadernetas tive o cuidado de fazer anotações de fatos inusitados.

Impõe-se primeiramente o dever de ressaltar duas extraordinárias figuras humanas – Gerson Souza e Mário Cezar, saudosos amigos hoje no Oriente Eterno- titulares dos Cartórios responsáveis pela preparação dos casamentos que celebrei. Personalidades absolutamente antagônicas, embora nutrindo entre si antiga inimizade pessoal, jamais tal sentimento mesclou o desempenho ilibado das funções.

Durante nossas audiências portavam-se com a dignidade exigida pelo múnus. Numa das primeiras audiências para casamento que presidi, entraram na sala dois jovens noivos. Ela mostrava-se orgulhosa no seu traje nupcial, com o avolumado do ventre denotando uma gestação nos “últimos dias”. Sempre dispensei muita seriedade àqueles momentos, dando- lhes a dignidade devida, qualquer que fosse a categoria social dos nubentes. Após a indagação formal se “era de livre e espontânea vontade se receberem em casamento” percebi alguma hesitação da parte do noivo.

Repeti a pergunta e exigi uma resposta alta e clara. Ele coçou a cabeça, segurou com as duas mãos a gravata que certamente não tinha hábito de usar e olhando para baixo, respondeu: “Incelência, Seu Maro do Cartoro me disse que não carecia contar nada aqui, mas nós se gosta desde pequeno e queremo se casar agora porque ela tá com a barriga na boca e o fio é meu, mas cumo num sou home de mentira quem cumeu ela por premero foi o veio meu pai”…