Artigo

Povo bom, governo ruim

Otto Lara Rezende, grande sarcasta, o folclore carioca atribui esta descoberta: “O brasileiro só é solidário no câncer”. Teria sido a propósito do médico Napoleão Rodrigues Laureano, que voltou dos Estados Unidos em 1951, com a doença em estágio avançado, e iniciou campanha nacional pela construção de centros de oncologia. Já não pensava em si, queria salvar vidas.

Os fatos provam que brasileiros é solidário em outras desgraças. Agora mesmo envia toneladas e toneladas de roupas, sapatos, água e alimentos aos sobreviventes das inundações que por pouco não varrem Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo do mapa.

O povo é bom, se condói e se comove. Os governantes são em gerais frios, cínicos e negligentes. A mídia televisiva ressaltou a diferença entre Brasil e Austrália: lá, cidades inundadas e algumas dezenas de mortes; aqui a catástrofe previsível causou mais de 600 mortes na será fluminense e alguns relatos de espantar – como o de um homem que desceu quatro quilômetros na correnteza, batendo a cabeça em pedras, e está lúcido.

Contabilizado os mortos, e desviadas as atenções do grande público para outra tragédia, talvez tudo siga como dantes. Quer dizer habitações precárias nas encostas e outras áreas de risco. Os governos municipais e estaduais permitem. Os políticos estimulam, segundo se ouve dizer. Presidentes sobrevoam regiões devastadas, liberam verbas – e pronto. Dever cumprido. Pouco importa se as doações chegam aos naufragam ou param em mãos de espertos. Foi assim em Alagoas.

Catástrofes naturais em nosso País repetem velhos filmes, jornais lidos e relidos. O roteiro é sempre o mesmo, para gáudio das emissoras de televisão, com seus repórteres engalanados e de adjetivação óbvia, a passar a bola um para o outro, até o último e verdadeiro informante. Salva-se a imagem lacrimosa dos desalojados que perderam familiares e bens materiais. E de atos de heroísmo pessoal.

Desocupação das áreas de riscos, casas para os infelizes, fiscalização para que não voltem às encostas – só mais tarde. Verdade, desta vez?