Artigo

Era doze de junho de um ano qualquer

Faz o que, dois, três, quarto anos? Não me lembro mesmo e até imagino que o mecanismo de defesa interior afastou a medida do tempo. Nossa mente tem este poder de afastar da lembrando os sofrimentos. Se assim não fosse, quem suportaria armazenar as tristezas que a vide nos oferece em cada esquina…

Como disse, era um doze de junho, e para quem esqueceu, é quando se comemora o dia dos namorados, ao menos do Brasil e ansiava com esperança enorme, romper o seu silêncio, obter um sorriso, uma palavra, uma expressão qualquer que dissesse o que ia no seu coração, em seu pensamento, o que era que pensava de mim, o seu sentimento a meu respeito, o que querida de mim enfim – se é que queria mesmo alguma coisa em sua mente em seu coração silencioso – (li que o coração tem sua própria inteligência, portanto seus próprios sentimentos, e deve ser verdade mesmo).

Levei – a, então, para um almoço surpresa num restaurante moderno, cuja explanada avança pela praia sobre o mar, e cujo piso é de vidro, permitindo ver – se, enquanto sentados às mesa, o movimento das águas verdes e alguns peixes sempre inquietos lá em baixo. Uma visão belíssima do oceano, movimentar de navios ao longe, veleiros, pequenas embarcações possivelmente de pescadores.

Além da beleza, a tranqüilidade das águas movimentando-se lentamente, e o horizonte distante a inspirar paz e sossego.

E o coração, com seus próprios sentimentos, querendo dizer alguma coisa, mas a mente, a inteligência do cérebro sem permitir. Fizemos os pedidos, fomos servidos com o acompanhamento de um vinho de boa cepa, e resolvi entregar-lhe o presente que guardava no bolso da calça. Um anel de ouro encimado por uma chapa com duas pequenas carreiras de granada dispostas de modo paralelo.

Terminamos o longo almoço, e cheguei a sentir em seu rosto uma certa alegria, poderia até ser interpretada como felicidade.

Fiquei mesmo feliz e já ao cair do sol fomos pra casa. Ao chegarmos, aproximei – me carregando com grande esperança, a maior demonstração de amor e de carinho de eu seria capaz. Surpresa das surpresas, ela aceitou – me e chegou a balbuciar algo como se fora um agradecimento, o que considerei de enorme significado para quem só tinha palavras e sorrisos para os amigos, alguns de comportamento tão estanho e indecifrável como o dela mesmo.

Como não içar feliz? Perguntei a mim mesmo. E repetia lá dentro que a situação mudara, ela em breve falaria também comigo, não só com os amigos, mas poderia até me considerar também um amigo, não tão estranho como aqueles com os quais saia sempre, com gestos de alegria e sorrisos que chamavam a atenção dos empregados da casa.

Não. Esperança ilusória. Esperança vã, sem vida, sem alma, sem espírito, sem verdade. Incontido, depois de alguns dias, com toda a coragem reunida perguntei – lhe o que poderia fazer para vê – la feliz em casa, feliz como era com os amigos, quando poderíamos sair, passear, irmos a um cinema , ao teatro.
Pensei que nada tinha ouvido. Repeti a pergunta, cuidadosamente. Nada. Não teve a gentileza de me olhar. Compreendi, eu não era nada, absolutamente nada, só um servidor, um estranho que oferecia viagens ao exterior, um bom ambiente social, roupas caras, jóias. Eu simplesmente não existia. Era só fornecedor dos prazeres viajores, dos presentes. E pensei: certamente é sobre estes fatos que ela conversa tanto com os amigos, sobretudo à noite, nas áreas de serviço da casa, no andar térreo enquanto eu ficava no quarto do primeiro andar.

Certamente cansada desse comportamento de falsidade (acho que até a maldade cansa um dia), e já tendo percorrido o mundo, acumulando malas de roupas ainda sem uso e de jóias nas mesmas condições, resolveu “cair fora”, como sempre foi, silenciosamente.

Casa grande, vários quartos, acomodou tudo em diversas malas escondidas em um dos quartos, (certamente durante algumas semanas) e, numa sexta – feira, ao chegar em casa, não mais a encontrei, nem sei para onde partiu. E até hoje não tenho notícias, mais até, confesso, porque não quero mesmo.
Mas não posso e não devo negar que o choque, que vinha já se formando no mais fundo do meu ser, explodiu com tal força, que perdi a noção da realidade momentaneamente; então médico, hospital, exames e mais exames. Nada físico. Meu filho, disse-me o médico, seu problema é “do coração”, é interior, mas tenha cuidado.

Evite novas emoções assim. Foi então que cheguei a conclusão terrível e inasfatável: vive – se de amor, mas de amor também se morre.