Artigo

A moça que deseja sua sogra

No desempenho do múnus, convivi com dramas chocantes e cenas pitorescas, frutos do emaranhado tecido social da cidade. Hoje vou relembrar um episódio com participação de Alcides Bezerra, saudoso irmão maçom, companheiro rotariano e compadre. Quem teve a felicidade de privar da sua amizade enquanto viveu, sabe quem foi.

As partes não se limitavam ao salão de audiências do Fórum, muitas vezes procurando-me em casa e até na rua. Certa vez, no cafezinho de Seu Mariano (onde diariamente, no meio da manhã, junto a Calixtinho, Dr. Seixas, Dr. Luiz Coelho e alguns amigos nos encontrávamos), fui abordado por uma jovem trêmula e nervosa. Naquele dia também estava meu compadre Alcides, então Tesoureiro da Santa Casa esperando Calixto para mais uma das suas “intermináveis” reuniões. Na presença deles, mesmo sugerindo-lhe que me acompanhasse ao Fórum, ali mesmo ela foi contando que se juntara há mais de dois anos com um rapaz indo morar na casa da sogra, de quem não conseguia gostar por imaginar que ela também a odiava. Estarreceu-nos quando perguntou de chofre: “doutor, sou menor de idade.

Quantos anos de cadeia posso puxar se matar minha sogra?” Alcides colocou o braço sobre seus ombros pedindo licença para uma conversa reservada. Colocou-a no carro e saiu. Nem na audiência daquele dia, ou noutra qualquer, aquela moça apareceu. Diante de tantos casos, confesso que esqueci. Meses depois, numa tarde de audiência pública para casamentos chegaram a moça com uma criança no colo, a sogra e o rapaz. Vinham casar civilmente e traziam como padrinho meu compadre Alcides. Após o expediente, solicitei-lhe explicação.

Deixo por conta do que relatou e registrei na minha agenda, onde está até hoje “Naquele dia a moça estava furiosa e desejava mesmo matar a sogra, imaginando que só assim conseguiria viver feliz com o companheiro de quem estava grávida.

Levei para conversar no escritório da minha Fábrica de Roupas Rainha, na Praça do Trabalho, no Pontalzinho e por sorte ela morava ali perto numa viela em frente ao Cemitério. Após muitos conselhos percebi que não iria demovê-la de tão absurda determinação. Aos poucos conseguindo ganhar sua confiança, apresentei um plano infalível, que não deixaria pistas.

Abri o cofre, peguei um frasco contendo pó branco, do qual retirei o rótulo. Fazendo ar de mistério, orientei para que todos os dias, pela manhã e a noite, colocasse uma pitada daquele pó dentro do café ou sopa da velhinha. E para que a vítima não desconfiasse, ela deveria cercar-lhe de toda atenção e carinho, conversar amistosamente, ajudar nos afazeres da casa, sentar-se na sala para assistirem juntas a novela “Direito de Nascer”. Tudo isso foi sendo feito. Dessa convivência agradável e carinhosa foi nascendo uma afeição tão forte entre as duas, que um dia a moça chegou chorando no meu escritório, pedindo pelo amor de Deus que arranjasse um remédio para tornar sem efeito aquele “veneno” que já havia alguns dias ela não tivera mais coragem de usar.

Explicou que já estava nutrindo por ela um amor verdadeiramente de filha para mãe. Então que expliquei o que havia feito. Aquele misterioso pozinho não era outra coisa senão o velho e conhecido “Sal de Fruta Eno”!… Aproveitei para ensinar-lhe que o mal e o ódio podem existir dentro da cabeça, mas só tomam conta das pessoas em momentos de fraqueza e falta de fé em Deus, sendo fácil afastálos desde que estejamos dispostos.

Ambas tinham bom coração e boas intenções. Era necessário apenas deixar o amor aflorar de maneira espontânea”. E ainda tenho escrito, já aí com minha própria letra, o que ele me disse: “Meu compadre, muita coisa de ruim neste mundo poderia ser evitada, se as pessoas procurassem viver em harmonia”. E se tivessem um Alcides Bezerra por perto, completaria eu agora…